Facebook, Youtube, Instagram e TikTok estão entre as redes sociais mais utilizadas, somando bilhões de usuários ao redor do mundo. Dentre esses usuários, grande parte está na faixa da Geração Z, representada pelos jovens nascidos entre 1995 e 2010. E é também nessa faixa etária (que corresponde entre 10 e 20 anos) onde os transtornos alimentares aparece com maior frequência.
Essas redes sociais, que foram criadas no intuito de conectar pessoas, extrapolaram seu objetivo primário e hoje também servem como um espelho. É através da imagem alheia que o espectador cria e projeta seus desejos, fazendo do outro, um reflexo. E é através da própria selfie publicada (e cuidadosamente articulada), que cada um consegue montar aquilo que quer ser, independente se aquela imagem corresponder ou não a realidade.
Os usuários, em contato direto, intenso e repetido com essas fotos, que são geralmente manipuladas com filtros ou jogo de luz, começam a criar referências irreais sobre a própria imagem e também sobre a forma adequada de se alimentar.
Um estudo com mulheres jovens mostrou uma relação entre uso das redes sociais e a preocupação/insatisfação com o próprio corpo. Uma das hipóteses para essa relação é que, a alta exposição a imagens fortalece a ideia de que magreza é o ideal estético a ser alcançado1. Outro estudo mostrou uma relação diretamente proporcional entre uso do Instagram e uma tendência a ortorexia nervosa, principalmente por aqueles usuários que seguem, majoritariamente, perfis relacionados a alimentação saudável2.
Essas são apenas duas provas científicas que demonstram uma relação vista constantemente nos consultórios nutricionais: a vontade de ter o corpo do outro e uma alimentação guiada para esse objetivo.
Essa atual relação com as redes sociais me faz pensar no mito grego de Narciso, no qual o rapaz se apaixona pela sua própria imagem, porém, ao mesmo tempo, ele não a reconhece como sua. O Narcisismo, segundo o psicanalista Christian Dunker3, é um sistema necessariamente instável, pois ele precisa de constantes. Nas redes sociais, se apaixonar pelo corpo do outro ao ponto de querer que ele seja o seu, é a própria representação do narcisismo, onde os likes e comentários são a constante que alimentam esse movimento.
Portanto, o espectador passa várias horas (em média 1 hora e meia por dia) assistindo não apenas esses corpos magros e/ou ‘sarados’, mas também o caminho para chegar lá. O resultado são dietas variadas, no geral restritivas, que engatilham e/ou mantém os transtornos alimentares4.
Além disso,fotos de ‘corpo ideal’ promovem a insatisfação com a própria imagem, sendo que esta insatisfação é fator presente na distorção da imagem corporal, sintoma central nos transtornos alimentares.
Também me pergunto se, não só as mudanças, mas também a velocidade que elas ocorrem, não seriam fatores catalisadores do comer transtornado e dos transtornos alimentares. Afinal, você pode manipular a foto do seu corpo em uma fração de segundos, o que faz o espectador imaginar que a mudança física acontece em um átimo – quando, na verdade, sabemos que no mundo real as coisas não são dessa maneira.
Sabemos então, que as redes sociais desempenham um grande problema na autoimagem, na manifestação e na manutenção dos transtornos alimentares. Porém, elas continuarão existindo, assim como as fotos que inspiram, negativa ou positivamente milhares de pessoas. Para muitos, sair das redes sociais não é uma opção. Então o caminho seria buscar soluções para melhorar a nossa relação com o mundo virtual, de como nos proteger de tanta exposição tóxica e refletir sobre a nossa responsabilidade na construção desse ambiente.
Marina Nogueira
Nutricionista; Cozinheira Profissional – SENAC -MG; Pós graduada em Nutrição e Esporte – EEFE-USP; Aprimorada em transtornos alimentares – AMBULIM; e, Criadora do perfil @naocontocalorias.
Referências: