Gostaria de falar de dieta, porque o tema é inesgotável (infelizmente). O excelente livro “A tirania das dietas”, da historiadora inglesa Louise Foxcroft, embora seja uma leitura muito interessante, me deixou ainda mais deprimida sobre o tema.
Se pensamos que a indústria do emagrecimento floresceu especialmente depois dos anos 1970 (mais 1980 no Brasil), a história mostra que tudo começou muito antes, e com coisas muito similares ao que vemos ser reeditado hoje.
Avicena, médico persa, aconselhava os gordos e doentes a comer apenas comida pesada, com pouco valor nutritivo, e ajudar o corpo a deslocá-la com laxantes e exercícios. Wadd, um cirurgião e “médico de ricos” publicou em 1810 as “Observações superficiais sobre a corpulência ou obesidade considerada como doença”, e na sua pesquisa aponta que comer sabão a noite era popular, como emético e laxante.
As dietas de baixo carboidrato surgiram já em 1863, primeiro propostas por um agente funerário, William Banting, e depois por médicos, como Nathaniel Davis, que publicou “Comida para gordos: tratado sobre a corpulência com dieta para sua cura”, e que entre suas categorizações, mencionou que “a pessoa burra, pesada, não intelectualizada ou idiota costuma ser gorda e flácida”.
O controle da gordura aparece em textos antigos ligados à ética. No “Tratado sobre o poder dos alimentos”, o médico grego Galeno de Pérgamo (século II) conta como reduziu pessoas de “corpulentas” a um “tamanho decente”.
Os livros com descrições de quem emagreceu dando suas dicas, apareceram já em 1883, e sobre isto Foxcroft escreve:
O preconceito e estigmatização do excesso de peso – descubro eu – são também muito mais antigos do que se acredita. Sempre houve uma percepção de que quem está acima do peso não é capaz de ter autocontrole. Seria alguém fraco de espírito, não confiável.
Até Brillat-Savarin – oh, decepção, o homem que cunhou o termo gastronomia e que disse que “a descoberta de um novo prato confere mais felicidade na humanidade que a descoberta de uma nova estrela” (“A fisiologia do gosto”, Jean-Anthelme Brillat-Savarin, Cia das Letras, 1995), também escreveu: “todo mundo deseja evitar a corpulência ou livrar-se dela se, infelizmente, a tiver adquirido”, com a recomendação de “uma abstinência mais ou menos rigorosa de todos os alimentos farináceos tenderá a diminuir a corpulência”. Para tanto, patenteou o “Cinto Anticorpulência”, e dizia que era preciso fugir da tentação e lembrar que se tratava de uma questão moral.
E vejam só, Thomas Short, médico do século XVII, escreveu que “nenhuma outra era produziu mais casos de corpulência do que a nossa”… Imagine se ressuscitasse nos tempos atuais?
Alguém poderá dizer que hoje não temos maluquices como as descritas acima, mas sim, temos parecidas e piores. Absurdos surgem o tempo todo: como o oftalmologista que vende bomba junto de seu plano fitness; a dermatologista que deu uma dieta para minha paciente com histórico de bulimia nervosa, com a lista de proibidos com lactose e glúten (sempre eles), mas também abacaxi (“veneno”, estava escrito); e dentre as dicas preciosas, consumir muita água de coco (“antiinflamatório, evita infecções, até AIDS”). Parece piada, mas não é – é sério e triste.
Um grupo de ENGENHEIROS do Vale do Silício que inventaram a bebida well balanced “pra você nunca mais se preocupar com comida?, a base de maltodextrina, farinha de aveia e proteína de arroz + vitaminas e minerais, goma acácia, lecitina e sucralose.
Enfim que ninguém mais deve perder tempo com esta coisa besta que é comer. Parece piada? Conseguiram US$ 1mil via crowdfunding para produzir a coisa em menos de 3 horas, e 10.000 interessados em comprar só com a ideia (veja aqui). Vou pingar meu colírio alucinógeno!
E se não dietas, o quê? Trabalhar com uma série de estratégias e técnicas diferenciadas e com evidência científica , como o comer intuitivo, mindful eating, que fazem parte do aconselhamento nutricional, que visam alcançar a qqqqqverdadeira mudança de comportamento e relação com comida. Só isto pode garantir manutenção efetiva de um peso saudável.
Termino também com a autora:
Estudos selecionados sobre dieta:
Sobre ganho de peso, risco aumentado para compulsão e transtornos alimentares:
Sobre restrição e dieta aumentam valor de recompensa do alimento:
Sobre compulsão alimentar e alimentos proibidos:
Nutricionista formada pela USP. Mestre e doutor em Nutrição Humana aplicada pela USP. Pós doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP (FSP-USP). Supervisora do Grupo de Nutrição do Programa de Transtornos Alimentares – AMBULIM – do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP; e orientador pelo Programa de pós Graduação em Nutrição em Saúde Pública na FSP-USP. Coordenadora do Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares e Obesidade (GENTA). Membro da Academy for Eating Disorders (AED). Instrutora certificada do programa Mindfulness Based Eating Awareness Training (MB-EAT), certificada em Intuitive Eating. Idealizador do Instituto Nutrição Comportamental.
Texto publicado originalmente no Blog do Grupo Especializado em Nutrição e Transtornos Alimentares e Obesidade – GENTA, grupo parceiro da ASTRAL. Confira: https://www.genta.com.br/a-tirania-das-dietas/.