A crescente prevalência do diagnóstico de Diabetes Mellitus (DM) tem ocasionado um amplo interesse entre profissionais de diversas áreas em relação à interação entre o DM e os Transtornos Alimentares (TAs). Esse interesse se intensifica à medida que o impacto na qualidade de vida se torna mais evidente, acompanhado dos significativos custos indiretos associados à mortalidade e à incapacidade decorrentes das complicações da doença.
Desde o momento do diagnóstico, os indivíduos com Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) enfrentam a necessidade de aderir a esquemas terapêuticos rigorosos, e na busca por um controle glicêmico eficaz, frequentemente desenvolvem pensamentos obsessivos relacionados à alimentação, peso corporal e prática de atividade física. Dessa maneira, torna-se possível observar que toda essa preocupação envolvida no tratamento e no controle do diabetes, tende a favorecer o aparecimento de comportamentos alimentares desordenados, os quais acabam muitas vezes sendo camuflados, tornando seu diagnóstico mais difícil de ser estabelecido(SBD,2019).
Frente a esse cenário, os estudos têm apresentado uma prevalência de transtornos alimentares de 7 a 11% em meninas adolescentes e jovens adultas com DM1. Já em pessoas com diabetes tipo 2, a prevalência varia entre 6,5% e 9% (Pieper et al, 2022).
No contexto da bulimia nervosa (BN), é relevante destacar que este transtorno alimentar é mais prevalente em jovens com DM1, afetando aproximadamente 30% das meninas (1% na faixa etária de 9 a 13 anos, 14% na faixa de 12 a 18 anos e 34% na faixa de 16 a 22 anos) (Pieper et al, 2022). Nesse cenário, episódios compensatórios, reconhecidos como comportamentos purgativos ou purgação, ocorrem após a perda de controle no ato de comer e a incapacidade de abster-se, desencadeados pela compulsão alimentar.
Cabe ressaltar que, frequentemente, esses indivíduos apresentam um Índice de Massa Corporal (IMC) normal ou até mesmo sobrepeso. Além disso, manifestam incidência mais elevada de internações devido a complicações agudas, como episódios recorrentes de cetoacidose diabética (CAD) e hipoglicemias graves. Complicações crônicas, como retinopatia e nefropatia diabética, também são observadas com maior frequência nesse grupo (Pieper et al, 2022). Para uma minoria de pacientes, essa prática representa até mesmo uma forma de automutilação (Winston, 2020).
Considerando sobre os comportamentos purgativos, identificamos um mecanismo singular frequentemente empregado por indivíduos com DM1, conhecido como “Diabulimia”. O termo “diabulimia” é aplicado em situações específicas, descrevendo uma condição primordial em que a estratégia deliberada para promover a perda de peso envolve a omissão ou restrição planejada de insulina (Chelvanayagam & James, 2018). Nesse transtorno, o paciente teme a utilização de insulina, assemelhando-se ao paciente anoréxico que experimenta um receio extremo em relação à alimentação (Pieper et al, 2014)
Diante disso, é relevante observar que esse comportamento purgativo pode se enquadrar nos critérios para anorexia nervosa, quando associado à restrição à insulina e alimentação severa; bulimia nervosa, se a pessoa estiver se alimentando e posteriormente restringindo a insulina; ou ainda ser classificado como um distúrbio purgativo ou outro transtorno alimentar não especificado (APA, 2014)
De todo modo, pacientes diagnosticados com diabulimia podem adotar doses ínfimas de insulina ou, até mesmo, omiti-las completamente. Dessa maneira, alguns podem manter o uso de insulina basal enquanto omitem as doses de bolus, ou até mesmo interromper integralmente o tratamento com insulinoterapia (Winston, 2020). Concomitantemente, indivíduos com diabulimia podem manifestar outros comportamentos alimentares desordenados, como vômitos autoinduzidos, utilização de laxantes e diuréticos, prática excessiva de exercícios físicos, consumo de pílulas para emagrecer, adesão a jejuns prolongados e restrições alimentares (Chelvanayagam & James, 2018).
Os mecanismos que levam à perda de peso em indivíduos com diabulimia resultam dos processos fisiológicos desencadeados pela hiperglicemia, decorrente da redução ou ausência de insulina exógena. O efeito emagrecedor dessa prática é rápido, iniciando-se com desidratação, seguida de um processo acentuado de lipólise e glicosúria (Colton et al., 2007). Embora esses cenários favoreçam a perda de peso, provocam descontrole metabólico, aumentando a incidência de neuropatia, retinopatia e nefropatia diabética, bem como a frequência de internações hospitalares por complicações agudas, como cetoacidose diabética, hipoglicemia severa e infecções recorrentes e de difícil tratamento (Pieper et al, 2022). Dessa forma, a negligência em relação ao uso da insulina antecipa algumas complicações crônicas do diabetes, que podem surgir em menos de 5 anos após o diagnóstico (Pieper et al, 2014), e também reforçam o perigo dessa atitude já que apenas a restrição de insulina pode aumentar o risco de mortalidade em 3 vezes ao longo de um período de 11 anos (Goebel-Fabbri et al, 2008).
A abordagem da relação entre transtornos alimentares e diabetes não apenas revela a complexidade dessas condições de saúde, mas também destaca sua relevância significativa para organizações comprometidas como a ASTRALBR. A importância desse tema transcende o âmbito médico, tocando as vidas daqueles que enfrentam essas condições diariamente.
Thayna Guimarães
Nutricionista Comportamental e aprimoranda em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM. Nutricionista do Instituto da Pessoa com Diabetes (IPD), membro e coordenadora do Grupo de Estudos em Transtornos Alimentares Diabetes e Obesidade (GESTALO) do ambulatório de endocrinologia da Santa Casa de Belo Horizonte, membro do Laboratório de Pesquisa e Estudos em Transtornos Alimentares e Obesidade (LATOS Science) e Nutricionista voluntária da Unidade de endocrinologia pediátrica (UEP) – CHC UFPR. Diagnosticada com diabetes tipo 1 há 8 anos. Instagram: @thaynaguimaraes.
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