Jejum intermitente pode levar a transtornos alimentares?

O jejum intermitente (JI) é um tipo de dieta que engloba uma série de protocolos específicos e que são caracterizados por diferentes tempos de restrição alimentar. Os protocolos nada mais são do que prescrições com relação ao tempo que o indivíduo deverá ficar sem se alimentar.

É importante pontuar aqui que estamos nos referindo ao jejum intermitente que é vendido e propagado como dieta para perda de peso e nosso objetivo não é abordar o jejum religioso ou espiritual que é feito em algumas religiões.

Por mais que o jejum intermitente seja vendido como uma prática inovadora e esteja muito em alta ultimamente, ele nada mais é do que a nossa velha e conhecida dieta restritiva e que tem como objetivo fazer o indivíduo comer menos e perder peso.

Vamos pensar na seguinte situação: uma pessoa que está habituada a fazer no mínimo 3 refeições por dia (café da manhã, almoço e jantar) e decide iniciar o jejum intermitente. Ela opta por um protocolo que orienta que ela deve pular o café da manhã todos os dias e comer apenas o almoço e jantar, ficando a manhã inteira sem comer nada, mesmo que apresente fome.

Esse protocolo irá dar errado pra todo mundo? Não necessariamente. Existem algumas pessoas que de fato não sentem fome de manhã e podem se adaptar sem muitas dificuldades, mas pra quem já tem esse hábito de comer de manhã e sente fome durante esse horário, não fazer essa refeição pode ser muito sofrido e gerar uma sensação de privação. Além disso, se pensarmos em uma pessoa que precisa fazer diversas atividades no dia, como por exemplo trabalhar, cuidar dos filhos, estudar e arrumar a casa, é importante ressaltar que pular uma refeição não só irá trazer prejuízos e sofrimento pra saúde mental, mas também pra saúde física. Essa restrição pode causar cansaço, mal estar, falta de energia e tonturas, afetando inclusive o rendimento e produtividade das atividades dessa pessoa.

A nossa mente não consegue diferenciar se estamos sem comer porque queremos emagrecer ou se estamos sem comer porque de fato estamos passando por uma escassez de alimentos, logo os efeitos desta restrição serão os mesmos para o nosso corpo.

Isso nada mais é do que uma restrição alimentar e nós já sabemos que a restrição alimentar que gera essa sensação de privação pode ser gatilho para várias questões que impactam na relação com a comida, sendo um gatilho importante para o desenvolvimento de compulsão alimentar e transtornos alimentares (TAs).

É importante ressaltar que não estamos dizendo que o jejum intermitente causa transtorno alimentar, pois os transtornos alimentares possuem uma etiologia multifatorial, ou seja, é necessária a combinação de fatores predisponentes, fatores precipitantes e fatores mantenedores para o desenvolvimento de um transtorno. O jejum pode entrar como um fator precipitante para aquelas pessoas que já tem uma predisposição para o desenvolvimento de um TA e ser o fator que faltava para o surgimento da doença.

Novamente ressalto que não é toda que pessoa fará jejum intermitente que irá desenvolver um TA, mas a questão mais importante é que nós não temos como saber quem já tem uma predisposição ou não e por isso fazer jejum aumenta o risco de desenvolver um TA.

Imagine se alguém te propõe iniciar alguma prática que aumenta o risco de desenvolver uma doença grave, será que você não pensaria  duas vezes antes de iniciar essa prática? Será que não iria colocar na balança os prós e contras e avaliar todas as consequências que podem surgir no futuro?
É exatamente isso que estamos falando com relação ao jejum. As pessoas precisam conhecer os riscos de fazer essa dieta e entender a gravidade que é desenvolver um transtorno alimentar. Estamos falando de um transtorno psiquiátrico que traz diversas consequências negativas pra saúde, que demanda um tratamento multidisciplinar e que traz muito sofrimento pra quem sofre com essa doença.

Muitos defensores do jejum intermitente que defendem essa prática com unhas e dentes alegam que ficar períodos sem se alimentar auxilia na queima de gordura do corpo, mas isso também é um argumento que já caiu por terra. Recentemente foi publicado no New England Journal of Medicine um estudo conduzido na China durante um ano com 139 pessoas e segundo os dados encontrados, não há diferença entre o regime de jejum intermitente e outras dietas de restrição calórica, ou seja, não faz diferença o período de tempo que as pessoas ficam sem se alimentar, mas o que importa é o que elas comem durante o dia.

Infelizmente vivemos em uma sociedade em que a cultura de dietas está muito presente e sempre vão surgir dietas milagrosas a cada dia, que prometem o emagrecimento rápido e podem parecer muito atrativas em um primeiro momento, porém nenhuma vai te falar as consequências negativas que podem vir junto com essas dietas. Busquem profissionais que possam auxiliar na sua relação com a comida e evitem cair nessas ciladas de emagrecimento rápido, pois os efeitos negativos podem ser muito prejudiciais e causarem diversos danos pra saúde.

 

 

 

Fernanda Imamura

Nutricionista graduada pela FSP-USP. Aprimorada em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM. Atualmente atua em consultório particular e é nutricionista colaboradora do PROTAD (Programa de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência) no IPq-HCFMUSP. Também atua como criadora de conteúdo para as redes sociais. Instagram: @nutrifernandaimamura.

 

 

 

 

Referências:

  1. https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/mHpTbLwhgxTQmtrj4f6VWty/?format=html&lang=pt
  2. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/34191688/
  3. https://psycnet.apa.org/record/1994-33984-001
  4. https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2114833