Os transtornos alimentares (TAs) são dentre as doenças psiquiátricas aquela descrita como a que apresenta maior disparidade de prevalência entre o sexo feminino e masculino sendo, portanto, uma psicopatologia “generificada”. Grande parte das pesquisas conduzidas ao longo do século XX são caracterizadas pela noção de que os TAs não atingem os homens. Tal quadro vem sendo modificado, e acredita-se que 1 a cada 4 casos de TAs seja observado em homens.
Recentes dados científicos indicam os comportamentos de risco para os TAs numa taxa de crescimento mais rápida em homens quando comparados às mulheres, e que os sintomas de TAs em homens e fatores associados são tão severos quanto os observados no sexo oposto. Logo, é possível afirmar que os TAs em homens não são mais considerados uma raridade. Ao contrário, as evidências apontam para um aumento expressivo na prevalência do transtorno nessa população.
Aspecto fundamental para a mudança de paradigma na forma de observar a apresentação da psicopatologia em homens parece ter conduzido ao fato de hoje ser possível afirmar que esses sujeitos também possuem uma relação conturbada com seu corpo e sua imagem corporal. Os TAs possuem relação com a superestimativa do peso e da forma corporal. Em outras palavras, o ideal corporal magro permeia a lógica dos instrumentos de medida e modelos teóricos sobre a psicopatologia dos TAs. Ocorre que tal lógica não se aplica aos resultados de pesquisa mais atuais que indicam que a insatisfação corporal de homens está relacionada ao desejo de um corpo mais musculoso, maior, e portanto, direcionado ao aumento do peso e da forma corporal. Isso contrasta notavelmente com a busca pela magreza que serve como base sobre a imagem corporal relacionada enquanto critério diagnóstico dos TAs.
Esse novo entendimento tem possibilitado reconhecer uma forma de desordem alimentar que recebe a descrição de muscularity-oriented eating disorders. As desordens alimentares orientadas para a muscularidade referem-se a uma série de comportamentos alimentares desordenados que são impulsionados pela busca do ideal muscular. Esse ideal distinto do corpo masculino tem inúmeras implicações importantes para atitudes relacionadas à alimentação e ao corpo, bem como às manifestações comportamentais associadas. O uso de esteroides anabolizantes é um exemplo de comportamento transtornado orientado a busca pelo ideal muscular. Tal modelo corporal, por sua vez, exige atenção concomitante para o aumento da massa muscular e controle da gordura corporal, de modo a atingir um corpo muscularmente definido. Para tanto, alguns comportamentos transtornados incluem a adoção de dietas rígidas, rotinas de exercícios físicos extenuante e abuso de substâncias anabólicas.
A imagem corporal de homens com TAs pode não condizer somente com o ideal de corpo magro (preocupação e superestimativa do peso e da forma corporal). Atenção deve ser dada ao ideal de corpo musculoso e as desordens alimentares orientadas para a busca pela muscularidade. Talvez assim seja possível superar a clássica visão cultural dos TAs enquanto uma psicopatologia feminina, e favorecer o auxílio aos homens que passam por sofrimento mental pela sua relação conturbada com o corpo e com a alimentação.
Prof. Dr. Pedro Henrique Berbert de Carvalho
Profissional de Educação Física, mestre e doutor. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (Mestrado e Doutorado) em ampla associação entre a Universidade Federal de Juiz de Fora e Universidade Federal de Viçosa. Conselheiro do Núcleo de Pesquisa e Ensino do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria da USP (NUPE – AMBULIM-IPq-HC-FMUSP). Autor de artigos científicos e capítulos de livro sobre homens, imagem corporal, saúde mental, muscularidade, entre outros. Instagram: @phd.pedrocarvalho.
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