Os distúrbios relacionados ao corpo e a alimentação com a adoção de atitudes e comportamentos não saudáveis para atingir um corpo ideal estão historicamente relacionados às mulheres. No entanto, pesquisas mais recentes apontam que os homens também se preocupam com a imagem e a aparência corporal e que podem adotar comportamentos extremos com o objetivo de adquirir um corpo forte e musculoso (Murray et al., 2017). Esse contexto fez com que pesquisadores e clínicos também investissem seu tempo e atenção para a avaliação dos sintomas de transtornos alimentares orientados à muscularidade (do original: muscularity-oriented eating disorders) e dismorfia muscular.
A dismorfia muscular representa uma condição mental e comportamental na qual o indivíduo se percebe insuficientemente grande e muscular, enquanto na realidade o indivíduo possui mais muscularidade e definição muscular do que a maioria das pessoas (APA, 2013). Portanto, indivíduos com dismorfia muscular se envolvem em comportamentos a fim de aumentar sua muscularidade, como levantamento de peso, dieta e uso de drogas. Vale destacar que esse transtorno não acomete exclusivamente os homens, muito embora sua prevalência seja maior nessa população, com destaque para fisiculturistas e atletas de esportes nos quais uma elevada muscularidade é desejada (Mitchell et al., 2017).
A condição foi descrita pela primeira vez como “anorexia reversa” (Pope Jr.et al., 1993) devido a semelhanças nosológicas com a anorexia nervosa (ou seja, imagem corporal alterada, distúrbios alimentares e relação disfuncional com a prática de exercícios físicos). No entanto, a definição “dismorfia muscular” foi adotada apenas mais recentemente. Por isso, alguns termos como “bigorexia” e “vigorexia” ainda são utilizados na linguagem popular. A American Psychiatric Association (2013) reconheceu oficialmente a dismorfia muscular como um distúrbio válido com utilidade clínica em 2013 e o incluiu no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª Edição (DSM-5) como um subtipo de transtorno dismórfico corporal.
Pessoas com dismorfia muscular estão preocupadas com sua aparência geral. Especificamente, eles estão preocupados que seu corpo não seja musculoso ou grande o suficiente (APA, 2013). Nesse sentido, a busca pela muscularidade é um fator importante para as pessoas com dismorfia muscular, que frequentemente apresentam distúrbios de imagem corporal, como a insatisfação corporal. Assim, a insatisfação corporal orientada para a muscularidade já é considerada sintoma clínico para o desenvolvimento de dismorfia muscular. Além disso, a dependência do exercício físico é apontada como um dos sintomas da dismorfia muscular (Mitchell et al., 2017). Pessoas com dependência de exercício adotam uma rotina rígida de prática de atividade física, muitas vezes com duração e intensidade elevadas, mesmo em situações de lesão, fadiga ou cansaço.
Devemos ter atenção a esse transtorno, uma vez que a grande maioria dos estudos realizados até agora demonstrou uma associação entre a dismorfia muscular e a ansiedade física e social, os sintomas depressivos, o neuroticismo e perfeccionismo, a baixa autoestima e o autoconceito, distúrbios alimentares e de imagem corporal, abuso de substâncias e dependência de exercícios.
Apesar de ainda não ser considerado um subtipo de transtorno alimentar, existe um grande debate científico para que se considere esse transtorno dentro dessa categoria. Como dito anteriormente, há grande similaridade sintomatológica entre indivíduos com diagnóstico de transtornos alimentares e pessoas com dismorfia muscular. Independentemente dessa discussão, vale destacar a necessidade de nos atentarmos para essa patologia que vem ganhando espaço em um contexto atual de valorização de um corpo atlético, delineado e cada vez mais “muscular”.
Referências
American Psychiatric Association [APA]. (2013). Diagnostic and statistical manual of
mental disorders (5th ed.). Washington, DC: American Psychiatric Association.
Mitchell, L. et al.(2017). Muscle Dysmorphia Symptomatology and Associated
Psychological Features in Bodybuilders and Non-Bodybuilder Resistance Trainers: A
Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Medicine, 47, 233–259.
Murray, SB et l. (2017). The enigma of male eating disorders: A critical review and
synthesis. Clinical Psychology Review, 57, 1–11.
Pope, HG. Jr. et al. (1993). Anorexia nervosa and “reverse anorexia” among 108 male
bodybuilders. Comprehensive Psychiatry, 34, 406–409.
Prof. Dr. Pedro Henrique Berbert de Carvalho
Profissional de Educação Física formado pela UFJF. Doutor em Psicologia e Mestre em Educação Física pela UFJF. Líder do Núcleo de Estudos Educação Física, Corpo e Sociedade (NECOS/UFJF/CNPq) e pesquisador colaborador do NUPE (AMBULIM/IPq/HCFMUSP). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) em Educação Física Associado UFJF-UFV e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde (Mestrado) da UFJF-GV. Instagram: @phd.pedrocarvalho.
Deixe um comentário