A importância do alimentar e ser alimentado na prevenção de transtornos alimentares e obesidade

Quando pensamos na alimentação de uma criança desde o início da vida, normalmente o foco está voltado para questões nutricionais que garantam o adequado crescimento e desenvolvimento. Mas será que esse é o único aspecto da alimentação que realmente importa?

A alimentação para nós humanos é um fenômeno multidimensional. Isso significa que diversos fatores se relacionam de forma dinâmica para confluírem na construção de hábitos e atitudes frente aos alimentos, que permanecem conosco ao longo de toda a vida.

Nós humanos somos seres relacionais e atribuímos significado às nossas experiências. Principalmente no período pré-verbal, vamos traduzindo o mundo ao nosso redor através dos sentidos. Desde o início da introdução alimentar, quando o bebê coloca um alimento na boca ele processa as informações sensoriais como cheiro, textura, sabor, temperatura regada à experiência emocional que acompanham estas sensações físicas. Neste sentido, “o que” oferecemos é tão importante quanto “como” alimentamos a criança.

A alimentação infantil é um fenômeno relacional, onde quem alimenta é tão importante quanto quem é alimentado. Basta imaginar a cena de uma mãe alimentando seu bebê.É nesse momento de potente conexão afetiva que as habilidades oro motoras, que dependem de uma maturação neurobiológica, vão se desenvolvendo. A medida que novas habilidades são conquistadas, novos sabores vão sendo incorporados e nossa história alimentar vai sendo escrita. Portanto, não há como separar a experiência física da emocional ao redor da mesa.

Estamos vivendo uma era desafiadora no que se refere ao comportamento alimentar, onde se evidenciam a precariedade dos excessos, tanto de exageros quanto de restrições alimentares. O cenário epidêmico da obesidade caminha de mãos dadas com o crescente número de casos de transtornos alimentares em diversas faixas etárias. Esse panorama nos convida a revisitar onde começa a nossa relação com a comida desde os primeiros momentos de vida, na busca por um maior entendimento e de fatores de risco modificáveis que possam ser trabalhados preventivamente. Vejamos alguns deles a seguir.

Não restam dúvidas para a ciência que o ambiente familiar exerce forte influência no comportamento alimentar de uma pessoa. A família que cumpre suas responsabilidades frente ao desafio que é cuidar da alimentação das crianças, estabelece a rotina alimentar definindo o que é oferecido, o local e horários das refeições. Tudo isso com autoridade na imposição de limites e papéis, mas com respeito e amorosidade, deixando que a criança tenha autonomia para definir o quanto ou se vai comer. Esse estilo parental “autoritativo” tem como resultado crianças com uma aceitação alimentar mais variada, menores prevalências de desnutrição e excesso de peso, crianças com maior capacidade de auto regulação da ingestão alimentar, mais confiantes e de maior autoestima. Por outro lado, pais com comportamentos controladores/autoritários ou permissivos que usam chantagens, punição, recompensa para estimular o filho a comer apresentam crianças com baixa aceitação alimentar, maior prevalência de desnutrição e obesidade.

A medida que o bebê cresce e vira criança, outros fatores familiares como a prática regular de dietas restritivas pelos pais, falas sobre alimentação regada à culpa e a proibição, falas sobre peso e formas corporais dentro de casa exercem forte influência na construção de uma baixa autoestima e na etiologia de transtornos alimentares e obesidade. Ou seja, a maneira como os pais se relacionam com o próprio corpo e com a comida, afetam diretamente a construção simbólica da história alimentar de seus filhos, gerando sofrimento físico e psíquico para as crianças.

Por outro lado, diversos estudos enalteceram a importância das refeições em família como uma prática associada a melhores desfechos de saúde da criança e do adolescente como menores prevalências de obesidade e transtornos alimentares, como também menor abuso de álcool, drogas e DST. Ao que tudo indica, esse momento de encontro familiar fortifica laços e proporcionam aprendizados associativos fundamentais para o desenvolvimento humano. Sabores associados a sensação de importância e pertencimento. Afinal de contas, comer sempre foi um ato social e coletivo mesmo ao redor do fogo, não é mesmo?

Não há dúvidas que as famílias querem fazer o melhor para as crianças. No entanto, diante de um cenário atual tão desafiador, é urgente a necessidade de apoio parental para que possam exercer esse papel com cuidado e responsabilidade e proporcionarem um ambiente facilitador de habilidades alimentares fundamentais para a saúde biopsicossocial da criança ao longo da vida.

 

 

Juliana Bergamo Vega

Nutricionista Mestre e especialista em alimentação infantil e ciências aplicadas à Pediatria pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Aprimoramento pelo Programa de Transtornos Alimentares pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (AMBULIM-IPq- HC FMUSP). Atualmente pesquisadora do Programa de Atendimento, Ensino e Pesquisa em Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência (PROTAD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq- HC FMUSP) e nutricionista do TARE/PROTAD/AMBULIM.

 

 

 

Referências:

  1. Birch LL, Doub AE. Learning to eat: birth to age 2 y. Am J ClinNutr. 2014; 99 (3):723S-728S.
  2. Satter, E. Child of Mine: Feeding With Love and Good Sense, 2000.
  3. Golden, NH et.al., Preventing Obesity and Eating Disorders in Adolescents. 38 (3), 2016.

 

 


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