Jogos Olímpicos: uma oportunidade de reflexão sobre os transtornos alimentares no esporte

Com a chegada dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 aumenta a vontade de acompanhar e saber mais sobre os diferentes esportes. E, consequentemente, conhecemos mais sobre os atletas de diversas modalidades. Durante a abertura do evento a mídia nos fez refletir sobre a rotina da preparação em momentos difíceis como o que estamos vivenciando com a atual pandemia do coronavírus. Se por um lado os atletas ficaram durante um longo período treinando em ambientes isolados, agora, durante as competições, suas imagens são projetadas para o mundo.

Sabe-se que atletas de alto rendimento trabalham com a meta de atingir a excelência e que cada segundo, as vezes milésimos de segundos, determinará quem será o campeão. Dessa forma, dentre as várias preocupações como cumprir as planilhas de treino, seguir uma alimentação “adequada” ao desempenho, é comum também o desejo em se manter em um corpo “perfeito” para o ótimo rendimento esportivo. Algumas evidências sugerem que poderia haver um corpo ideal para cada modalidade esportiva. Por exemplo, quando pensamos em nadadores imaginamos corpos com estruturas longilíneas, com membros, pés e mãos alongados. Já para ginastas, nossa imagem de corpo ideal seria bastante diferente. Ou seja, para cada modalidade temos um biotipo esperado, idealizado.

Só que a busca pelo corpo perfeito aumenta o risco de desenvolver transtornos alimentares. Essa situação pode ter relação sobretudo com a preocupação com a estética corporal somada a exigência física para a realização dos movimentos.Dessa forma, a prevalência dos transtornos alimentares (TAs) em atletas parece ser mais do que o dobro quando comparada ao grupo de não atletas, sendo que algumas modalidades que exigem o controle do peso são consideradas de maior risco, como aquelas que separam os atletas em categorias de acordo com a pesagem, como boxe e judô, ou aquelas relacionadas à suavidade dos movimentos, como nado sincronizado e ginástica artística.

Os TAs se caracterizam por uma preocupação exagerada com o corpo e consequentemente com a alimentação que resulta no consumo alterado de alimentos comprometendo, significativamente, a saúde física ou o funcionamento psicossocial do indivíduo (APA, 2014).No esporte, o motivo da restrição alimentar normalmente está relacionado ao desejo em se obter um melhor rendimento esportivo.

Em 1992 foi criado o conceito de tríade da mulher atleta que seria a presença simultânea de TAs, disfunções menstruais e osteoporose. No entanto, mais recentemente o Comitê Olímpico Internacional sugeriu a ampliação do conceito da tríade para o termo deficiência energética relativa ao desporto (Relative Energy Deficiency in Sports – RED-S), que pode ocorrer não apenas em mulheres atletas, mas também em homens e praticantes de exercício físico de qualquer nível e idade (MOUNTJOY et al., 2014).

O consumo energético insuficiente e/ou o grande gasto de energia gerado pela prática de exercício físico pode levar à riscos para a saúde. Dessa forma, devemos estar atentos aos sinais desse balanço energético negativo como sensação de fraqueza, possível perda da massa muscular, desidratação, relato de câimbras, falta de concentração, falhas no ciclo menstrual, baixa imunidade, dentre outros, podendo também ocasionar algumas consequências irreversíveis,como a infertilidade e o comprometimento da saúde óssea. Por isso, devemos ainda lembrar que,independente do grupo avaliado, os TAs são doenças secretas e, por isso, de difícil diagnóstico.

Enfim, quando vejo um atleta conquistando uma medalha olímpica,após uma intensa emoção, automaticamente reflito sobre as inúmeras horas de treino, sobre a pressão que ele conseguiu administrar, sobre uma vida inteira dedicada ao esporte. É claro que sou uma grande torcedora e desejo que os atletas, sobretudo os brasileiros, tenham ótimos resultados. Mas confesso que sempre fico na torcida para que as conquistas tenham vindo junto com a preservação da saúde física e mental.

Para mim essas Olimpíadas vão ficar marcadas pelas histórias de diversos atletas brasileiros, sobretudo por serem os jogos com o maior número de medalhas para a nossa nação, a conquista de uma medalha por uma adolescente de apenas 13 anos no skate, a superação de uma maratonista aquática, a conquista da medalha ao som de “Baile na Favela” e a revelação da dupla de tenistas convocada a menos de uma semana para os jogos. Por outro lado, também tivemos momentos históricos, e de muita importância para o esporte, como a aparição da ex-atleta, e agora comentarista, que encarou a missão de se expor ao público mesmo sem estar com o físico considerado “adequado”, o ótimo desempenho de atletas que colocaram em questionamento a necessidade de se ter corpos perfeitos para o bom desempenho esportivo e, sobretudo, ao limite imposto pela ginasta favorita ao pódio que preferiu preservar sua saúde física e mental ao invés de participar da competição final da sua modalidade. E é com essa mensagem de reflexão que encerro essa postagem: “Temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas, no fim do dia nós somos pessoas, e às vezes temos que dar um passo atrás”.

Agradeço a cada atleta pelas duas semanas de intensas reflexões vivenciadas nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. Que venham as Olimpíadas de Paris 2024!

 

 

Annie Schtscherbyna, Ph.D

Nutricionista formada pela Universidade Federal Fluminense. Pós-doutora em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Experiência de mais de 15 anos no atendimento de pacientes com transtornos alimentares e obesidade. Professora de graduação e pós-graduação, orientadora de alunos de graduação, especialização e mestrado, colaboradora em teses de doutorado. Idealizadora do Antropometria Brasil. Ex-atleta. Instagram: @annieschtscherbyna_nutri.

 

 

 

 

Referências:

  1. American PsychiatricAssociation. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V). 2014. Artmed. Porto Alegre. 5. ed. – Dados eletrônicos.
  2. MountjoyM, Jorunn SB, Burke L, Carter S, Constantini N, Lebrun C et al. The IOC consensus statement: beyond the Female Athlete Triad-Relative Energy Deficiency in Sport (RED-S). 2014. British J Sports Med. 48(7):491-497.