A Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 700 milhões de adultos estejam obesos. No Brasil, a obesidade vem crescendo cada vez mais. A ABESOaponta que mais de 50% da população está acima do peso1. Segundo dados da VIGITEL mais da metade da população está com peso acima do recomendado e 18,9% dos brasileiros estão obesos. O excesso de peso cresceu 26,3% em dez anos, passando de 42,6% em 2006 para 53,8% em 20162.
Neste contexto, a Cirurgia Bariátrica assume um recurso a ser utilizado no controle da obesidade mundial. Segundo o estudo SOS (SwedishObeseSubjects) que analisou mais de 4 mil pacientes com obesidade, os resultados apontam os ganhos da cirurgia bariátrica quanto a diminuição dos riscos para o desenvolvimento do diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e mortalidade3. As descobertas globais indicam que a cirurgia bariátrica teve um impacto positivo a curto prazo sobre os comedores não compulsivos e compulsivos, e que a compulsão cessou melhorando o humor acentuadamente4. Porém, há que se levar em consideração a dificuldade encontrada dos pacientes compulsivos para a manutenção do baixo peso no pós-cirúrgico a longo prazo e, principalmente a importância em reconhecer a presença do transtorno alimentar antes da cirurgia. Revisões sistemáticas e meta análises recentes concluem que o reganho de peso após a cirurgia bariátrica está diretamente relacionado com o comer compulsivo e outras comorbidades psiquiátricas5. As chances da recuperação do peso em pacientes que já apresentavam comer transtornado são significativamente maiores6. Isso se deve não apenas a fatores comportamentais e características psicológicas, mas também a processos fisiológicos e fatores psicossociais e culturais. O Transtorno do Controle do Impulso também é um fator central no comportamento alimentar desses indivíduos e contribui para desfechos insatisfatórios. Porém, a prevalência diagnóstica e a incidência dos comportamentos relacionados geralmente diminuem após a cirurgia7.O comer em segredo é um outro hábito desses pacientes e sinaliza uma psicopatologia da desordem alimentar mais grave. O status de comedor compulsivo bariátrico, no entanto, tem uma associação mais forte do que o comer em segredo, com muitas variáveis clínicas. Porém, o comer em segredo deve ser avaliado e considerado quando se trata de questões de peso e forma entre os pacientes que experimentam a perda de controle após a cirurgia bariátrica8.
Em resposta à crescente evidência de que a cirurgia bariátrica não é um tratamento efetivo para todos os obesos que a ela se submetem, tem se tentado compreender esta variabilidade, já que cerca de 30% dos pacientes tendem a reganhar peso. A cirurgia oferece melhora nas condições de vida do paciente compulsivo e proporciona a manutenção do baixo peso a curto prazo, porém, é importante reconhecer fatores envolvidos no desenvolvimento e manutenção dos transtornos alimentares em pacientes bariátricos e garantir que o paciente compreenda a necessidade de acompanhamento a longo prazo. Desta maneira poderíamos obter menor índice de reganho, de insatisfação corporal e, consequentemente, melhor qualidade de vida psíquica destes pacientes.
A cirurgia parece ser bem-sucedida na produção de perda de peso na obesidade mórbida, porém não tanto na alteração de comportamento alimentar de quem apresenta o transtorno. Em torno de 40% dos indivíduos que procuram a cirurgia bariátrica se auto identificam como ‘comedores emocionais’. Estima-se que em uma comunidade de obesos com obesidade grave (grau 1 e 2), 30% apresentou o Transtorno da Compulsão Alimentar TCA). E dentre obesos que buscam a cirurgia Bariátrica, 60% apresentam TCA9. Assim, tem-se buscado compreender de que forma os fatores psicológicos e sociais estão relacionados ao reganho de peso após o procedimento.
O indivíduo que apresenta questões alimentares encontra no ato de se alimentar muito além da necessidade de nutrir. O alimento entra como um regulador das emoções e como forma de comunicar algo que não está bem, já que as palavras, para esses indivíduos se apresentam como estruturas congeladas e esvaziadas de significado, restando ao sujeito a ação, o ato de comer. Sob a perspectiva psicológica, a cirurgia pode representar uma ambivalência: ao mesmo tempo em que é buscada a fim de “resolver” os conflitos inconscientes, ilustrado na relação com a comida, pode também aumentar a vulnerabilidade psicossomática à medida em que novas situações de estresse ocorram10. O reganho de peso representa que este modo de funcionamento continua se fazendo presente. Nesse sentido, é difícil falarmos em prevenção do reganho de peso naqueles pacientes que apresentam um conflito emocional de ordem inconsciente representado na relação com a comida e revivido em situações estressoras. O sintoma, inclusive, pode ser a melhor forma encontrada para sobreviver psiquicamente. O foco psicoterapêutico pode dirigir-se muito mais na tentativa de compreendê-lo em seus sinais e significados junto ao paciente, a fim de aprender a lidar com ele e, assim, poder experimentar menor sofrimento psíquico.
Em uma análise mais psicanalítica podemos dizer que a alimentação é um feito que vai muito além da necessidade de nutrir e crescer um corpo; é um feito que está ligado ao próprio nascimento das relações do sujeito com o Outro. É o primeiro ponto de relação com o Outro, no estado de necessidade absoluta em que se encontra o bebê. Trata – se de uma alimentação que apenas chega pela via do Outro. Sendo um fato que funda a entrada do sujeito nas relações, a alimentação é um fato presente em qualquer estrutura clínica que se define pelo modo de relação com que esse sujeito especificou seu lugar em relação ao outro. Assim, o transtorno alimentar seria um fenômeno de qualquer vida humana. A grande questão está em como esse sujeito se organizará psiquicamente a fim de estabelecer uma relação saudável entre as emoções, situações estressoras e a alimentação.
Seguindo este pensamento, podemos entender como a atenção ao entorno familiar e social deste sujeito se faz importante. As relações familiares, o processo de identificação, os entraves a partir do olhar narcísico dos pais, a falha no processo de representações pela linguagem familiar, seriam eixo condutor para o reconhecimento dos transtornos alimentares em pacientes bariátricos compulsivos, não compulsivos, assim como em sujeitos que não apresentam um comer transtornado evidente.
É fundamental que se avalie portantoa presença de transtornos alimentares antes da cirurgia bariátrica, já que o propósito do procedimento é oferecer também saúde mental, além de física, ao sujeito que apresenta sofrimento pela via do sintoma.
Renata Rodrigues Arnoni (CRP/112490)
Psicóloga Clínica e Psicanalista. Graduada pela Universidade São Marcos, Especialista em Transtornos Alimentares pelo Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares da Universidade de São Paulo (UNIFESP), Psicanalista pelo Centro de Estudos Psicanalíticos (CEP), Especialista em Psicologia Bariátrica, Especialista em Terapia de Família e de Casal pelo Instituto Sedes Sapientiae. É sócia da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), Filiada ao Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP), Integrante da Comissão de Especialidades Associadas (COESAS) da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), Membro da Equipe de Cirurgia Bariátrica e Metabólica do IMEC – Instituto de Medicina e Cirurgia, Membro da equipe de atendimento psicológico do Núcleo de Atenção aos Transtornos Alimentares (PROATA) da Universidade de São Paulo (UNIFESP), e, Responsável pela Psicologia da Clínica Arnoni.
Referências Bibliográficas:
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