Passados mais de 10 anos desde que comecei a conviver com a anorexia, hoje consigo entender melhor o que passei para compartilhar com outros.
Nasci em um lar onde minha mãe amava nutrição, meu pai tinha diabetes e eu era uma criança com sobrepeso. Por esse motivo, fui bem instruída nutricionalmente para os padrões dos anos 90. Acontece que o medo dos meus pais de que eu fosse uma adulta gorda com diabetes era tamanho que minha mente não soube lidar com isso e acabou indo para um outro extremo. Desde muito pequena, tenho recordações de tentar fazer dietas que encontrava nas inúmeras revistas que falavam sobre o assunto. Minha mãe comprava todas, eu acho. Pois eram muitas publicações exibindo “corpos perfeitos” dentro de casa.
Na escola, os apelidos causados pela minha aparência eram vários – até hoje me lembro de todos. E, sinceramente, a luta para não me sentir como aquela criança acontece até hoje dentro de mim. Aos 17 anos, fui para São Paulo fazer faculdade e acabei engordando além do que eu estava acostumada a pesar. O stress e as novidades de estar em uma nova realidade, longe de casa me fizeram comer mais do que o normal. Eu tinha muito medo de voltar a ser gorda. Eu sabia sobre a anorexia. Mas achei que seria uma boa opção parar de comer só por um tempo até eu recuperar meu peso habitual. A cada semana eu ia cortando uma refeição até ficar só com o café da manhã que, normalmente, era uma fruta, uma bolacha ou um pedaço de pão.
E a cada quilo que perdia, me dava mais ânimo de não ceder à comida e seguir com meus objetivos. Mas nunca era o suficiente. Eu nunca estava magra o suficiente, mesmo todos dizendo o contrário. O espelho só me mostrava que eu estava cada vez mais gorda. Foi um ano e meio nessa vida até que meus cabelos começaram a cair de forma repentina em grande quantidade. Eu os sentia caindo enquanto andava, tinha medo de abrir meus olhos pela manhã, pois sabia que o travesseiro estaria cheio de fios de cabelo; escová-los, então, era uma tortura. Eu nunca imaginaria que meus cabelos caíam por causa da desnutrição.
Contei à minha mãe. Recorremos a todo tipo de shampoo fortalecedor, plantas e o que nos indicavam. Até que resolvi ir ao dermatologista. Fiz exames de sangue e foi detectado que os níveis de ferritina no meu corpo estavam extremamente baixos e isso poderia estar causando a queda. Comecei um tratamento para suplementação de ferro e precisava voltar a comer. Expliquei à minha mãe o que estava acontecendo. Ela me apoiou. Então, voltei a comer normalmente. Mas não pensem que foi fácil. Acabei deixando a anorexia, mas desenvolvendo outros sintomas que refletiam minha baixa autoestima, ansiedade e períodos depressivos. Ou seja, o problema não estava solucionado só porque voltei a comer.
Depois de algum tempo, consegui finalmente começar um tratamento psicológico. Antes disso, resolvi fazer um documentário que falava sobre o assunto como TCC. Isso me ajudou a compreender melhor o transtorno e transformar a minha dor em algo que instrua às pessoas a não caírem no mesmo precipício. Durante muitos anos convivi com as consequências da deficiência de ferritina e até hoje tenho acompanhamento psicoterapêutico para lidar com diversas questões em minha vida. Se amar em uma sociedade que está sempre dizendo que você não é perfeita o suficiente não é tarefa fácil, mas graças à ajuda de bons profissionais, da minha família e, principalmente, de Deus, estou aqui viva e feliz.
Jornalista, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Roteirista e produtora do documentário “Conselhos de Inimiga” que trata sobre anorexia e bulimia.