Interface entre transtornos alimentares e suicídio

O primeiro ponto que gostaria de mencionar é que considero a distorção de imagem corporal a característica central nas pessoas com transtornos alimentares. Também saliento a importância de considerar o fato que a pessoa não é anoréxica ou bulímica; ela tem anorexia nervosa ou bulimia nervosa. Ou seja, ela é um ser humano com várias características e não apenas o transtorno mental que possui.

Amplamente definida, a autoimagem refere-se a como alguém se vê ou se concebe, incluindo a percepção de atributos pessoais, valor, competências e recursos de enfrentamento.

Os transtornos alimentares são reconhecidos como transtornos mentais graves, muitas vezes de curso crônico, associados a incapacitação e mortalidade elevada. Os transtornos alimentares estão associados a complicações clínicas como desnutrição, sendo que a anorexia nervosa possui a maior mortalidade entre todos os transtornos mentais. Tanto anorexia nervosa quanto a bulimia nervosa apresentam pico de incidência entre 16 e 21 anos.

O risco de suicídio é dramaticamente elevado em indivíduos com transtornos alimentares. Quando comparados com a população geral, na faixa etária de 15 a 34 anos, os pacientes com anorexia nervosa possuem entre 18 a 32,4 vezes mais chance de morrer por suicídio. Na bulimia esse risco aumentado varia de 7,5 e 31,0 vezes. Para efeito de comparação, esse risco em quadros de depressão, transtorno bipolar e esquizofrenia são estimados em 19,7, 17,1 e 12,9, respectivamente.

As tentativas de suicídio, um dos melhores preditores de suicídios completos, também são frequentes entre indivíduos com transtornos alimentares. Cerca de 25% a 30% das pessoas com anorexia e bulimia já tiveram pelo menos uma tentativa na vida.

As tentativas nesse grupo de pacientes são caracterizadas, muitas vezes, por serem graves, associadas a forte intenção de morrer, utilizando métodos de alta letalidade e com alto risco de complicações clínicas. Além disso, grande parte desses pacientes apresenta automutilação (>68%).

Diversos fatores estão associados às tentativas de suicídio nos pacientes com transtornos alimentares, como comportamento purgativo, sintomas depressivos, uso de substâncias, sintomas ansiosos, impulsividade e presença de transtornos de personalidade. O estudo do perfil de pacientes com maior de risco de suicídio é fundamental para melhorar a vigilância, detecção e prevenção de comportamentos destrutivos e morte nesta população de alto risco.

Em Fortaleza existe um serviço especializado em tratamento de pacientes com transtornos alimentares (CETRATA – Centro de Tratamento de Transtornos Alimentares) que atua de forma ininterrupta há 20 anos e que foca no atendimento de pacientes com transtornos alimentares, realizado por equipe interdisciplinar. O CETRATA é vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC) e ao Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC).

Merece ênfase que a campanha Setembro Amarelo 2020 está ocorrendo de forma virtual e o compromisso com a prevenção do suicídio segue firme e forte apesar do atual contexto da pandemia por COVID-19. No Brasil, o PRAVIDA – Programa de Apoio à Vida, vinculado à Universidade Federal do Ceará (UFC) e ao Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) tem uma história de 16 anos, e é considerado um serviço pioneiro focado no atendimento a pessoas com risco grave de suicídio. Eles oferecem um curso gratuito que pode ser acessado através do https://www.even3.com.br/setembroamarelo2020/.

Por fim, destaco que iniciativas como a da ASTRAL (Associação Brasileira de Transtornos Alimentares) de difundir informações baseadas na literatura e na experiência clínica de profissionais da área são extremamente relevantes. É fundamental termos estratégias que possibilitem prevenção, diagnóstico precoce e quando necessário intervenções terapêuticas precoces.

 

Fabio Gomes de Matos e Souza

Médico Psiquiatra, PhD. em Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo

Professor Titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Ceará

Coordenador do CETRATA e do PRAVIDA

 

 

 

Referências:

  1. Chesney E, Goodwin GM, Fazel S. Risks of all-cause and suicide mortality in mental disorders: a meta-review. World Psychiatry. 2014;13(2):153-160. doi:10.1002/wps.20128.
  2. Fernández-Aranda F, Casas M, Claes L, et al. COVID-19 and implications for eating disorders. Eur Eat Disord Rev. 2020;28(3):239-245. doi:10.1002/erv.2738.
  3. Runfola CD, Thornton LM, Pisetsky EM, Bulik CM, Birgegård A. Self-image and suicide in a Swedish national eating disorders clinical register. Compr Psychiatry. 2014;55(3):439-449. doi: 10.1016/j.comppsych.2013.11.007.
  4. Smith AR, Zuromski KL, Dodd DR. Eating disorders and suicidality: What we know, what we don’t know, and sug- gestions for future research. Curr Opin Psychol. 2018;22:63-67. doi: 10.1016/j.copsyc.2017.08.023.
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  6. Udo T, Bitley S, Grilo CM. Suicide attempts in US adults with lifetime DSM-5 eating disorders. BMC Med. 2019;17(1):120. doi:10.1186/s12916-019-1352-3.

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