Setembro Amarelo e suas implicações para os transtornos alimentares

A campanha nacional do Setembro Amarelo foi iniciada em 2013 pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), com o objetivo de intensificar os esforços de prevenção ao suicídio. Em 2023, o lema é “Se precisar, peça ajuda!”, e diversas ações que visam conscientizar a respeito da importância da saúde mental da população estão sendo desenvolvidas no país inteiro.

Infelizmente, o suicídio ainda é uma ocorrência frequente, que gera grandes prejuízos individuais, familiares e sociais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019 foram mais de 700 mil suicídios em todo o mundo. Se incluirmos os episódios subnotificados, esse número aumenta para cerca de 01 milhão de casos. No Brasil, há registros de aproximadamente 14 mil casos por ano.

O suicídio é a quarta causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos de idade, sendo um fenômeno complexo, que na maioria das vezes está relacionado à presença de uma doença mental, em geral não diagnosticada ou tratada inadequadamente. Assim, entende-se que poderia ter sido evitada caso esses pacientes tivessem recebido tratamento e informações de qualidade.

​A relação do suicídio com os transtornos alimentares já tem sido descrita na literatura há bastante tempo, sendo a segunda causa de morte entre os pacientes com anorexia nervosa e estando bastante elevada também entre os pacientes com bulimia nervosa. É importante ressaltar ainda que os indivíduos com transtornos alimentares têm risco maior que a população geral de apresentar tanto o suicídio consumado, como episódios de tentativas de suicídio não-fatais e da própria ideação suicida.

Entre os fatores de risco envolvidos, destacamos para pacientes com anorexia nervosa: longa duração da doença, baixo índice de massa corporal (IMC), refratariedade aos tratamentos prévios, abuso de álcool e outras drogas, episódio de depressão. Para pacientes com bulimia nervosa, os fatores associados em geral são: maior comprometimento psicopatológico, refratariedade aos tratamentos prévios, comportamentos impulsivos aumentados, como automutilação. Além disso, para mulheres com transtornos alimentares, evidências apontam que história de abuso parental, sexual, físico ou emocional (principalmente na infância) estão implicados com maior chance de tentativas de suicídio durante a vida.

Ainda não está completamente definido se o tipo de transtorno alimentar ou a severidade do quadro podem determinar a ocorrência de uma tentativa de suicídio. O que parece mais adequado é afirmar que a sintomatologia é mais importante do que a categoria diagnostica em determinar o risco de suicídio em pacientes com transtornos alimentares (presença de episódios de compulsão e purgação, que apresentam um componente de impulsividade, por exemplo).

Outro aspecto interessante dessa relação diz respeito à experiência de dor – alguns sintomas alimentares envolvem experiências dolorosas (exercícios repetidos, vômitos, laxantes, a própria fome), que, pelo hábito e repetição, aumentariam a capacidade adquirida dos pacientes com transtornos alimentares para o suicídio. Ainda, no nível interpessoal, observamos um elevado sentimento de fracasso, solidão e desamparo. Assim a sobrecarga percebida e o sentimento de pertencimento frustrado também podem aumentar os comportamentos suicidas nessa população.

Observamos ainda que, quando uma pessoa decide terminar a própria vida, seus pensamentos, sentimentos e ações costumam estar muito restritos, girando em torno do suicídio. O sofrimento emocional, a rigidez e a distorção da realidade causados pela doença mental são tão intensos e desesperadores, que ela se torna incapaz de perceber outras maneiras de enfrentar ou de sair do problema.

Dessa forma, constitui um grande desafio ajudar eficazmente na prevenção do suicídio. Por isso, é tão importante todos falarem sobre o assunto, para que as pessoas que estejam passando por momentos difíceis e de crise desmistifiquem a doença mental e busquem ajuda.

Informação, acolhimento e cuidado são as principais estratégias para ajudarmos o próximo, e é a melhor saída para lutar contra esse problema tão grave. Identificar que uma pessoa próxima está pensando em se matar e oferecer ajuda, tendo uma escuta ativa e sem julgamentos, mostrar que está disponível e demonstrar empatia. Demonstrar que a vida sempre vai ser a melhor escolha, e também levar ao médico psiquiatra, que vai dispor de recursos para manejar a situação e salvar esse paciente.

 

 

 

Mireille Coêlho de Almeida

Psiquiatra especialista em Transtornos Alimentares, Mestre e Doutora em Psiquiatra pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), coordenadora do Ambulatório de Transtornos Alimentares da Santa Casa de São Paulo e da Clínica de Transtornos Alimentares UNITRATA, membro do Conselho Técnico da ASTRALBR, membro da Comissão de Transtornos Alimentares da ABP, membro da Academy for Eating Disorders. Instagram: @dramireillealmeida.

 

 

 

 

 

 

Referências:

  1. Goldstein, A., & Gvion, Y. (2019). Socio-demographic and psychological risk factors for suicidal behavior among individuals with anorexia and bulimia nervosa: A systematic review. Journal of Affective Disorders, 245, 1149–1167. doi:10.1016/j.jad.2018.12.015
  2. Smith AR, Ortiz SN, Forrest LN, Velkoff EA, Dodd DR. Which Comes First? An Examination of Associations and Shared Risk Factors for Eating Disorders and Suicidality. Curr Psychiatry Rep. 2018 Aug 9;20(9):77. doi: 10.1007/s11920-018-0931-x.
  3. Tan EJ, Raut T, Le LK, Hay P, Ananthapavan J, Lee YY, Mihalopoulos C. The association between eating disorders and mental health: an umbrella review. J Eat Disord. 2023 Mar 27;11(1):51. doi: 10.1186/s40337-022-00725-4.
  4. https://www.setembroamarelo.com/