É muito comum as pessoas lembrarem de fazer exercício quando se sentem insatisfeitas com o peso, ou alguma parte do corpo. A preocupação também em estar gordo, acima de um índice corporal classificado como normal, também impulsiona a busca pela prática de exercícios, até porque, numa sociedade em que o corpo gordo é julgado e tachado como doente e incompetente, contribui com o aumento do medo de engordar.
De fato, o emagrecimento acontece de forma saudável quando a prática de exercícios é combinada com uma dieta. No entanto, vale também saber o que entendemos por dieta. Em geral, dieta é compreendido como uma prática alimentar restritiva, super regrada, com lista de alimentos proibidos e permitidos. Acontece que esse tipo de dieta, de fato, pode contribuir com a perda de peso, mas não ajuda no emagrecimento.
Emagrecer não necessariamente implica em perder peso. É possível emagrecer e não ter mudanças no número da balança. Isso porque a composição corporal pode mudar, ou seja, o percentual de massa muscular aumentar, e a quantidade de gordura reduzir e essa mudança não impactar necessariamente num peso corporal.
Há evidências que mostram o quanto indivíduos que praticam exercícios físicos (combinados com mudança de hábitos alimentares ou não, porque isso depende também de características individuais) desenvolvem maior capacidade cardiorrespiratória, melhora vários parâmetros metabólicos, conquista bons resultados nos exames laboratoriais, aumenta força muscular, apresentam maiores desempenhos nas funções executivas do cérebro (memória, atenção, processamento dos sentidos), desenvolve habilidades motoras, autonomia, disposição, ânimo, etc. Enfim, são muitos benefícios já comprovados por diversas pesquisas cientificas.
Mas mesmo com todos os benefícios que é possível conquistar com os efeitos do exercício sobre todos os sistemas do corpo humano, muitos “ignoram” ou nem se sentem felizes por ter conquistado um corpo mais funcional, genuinamente saudável, com potencial para viver a longevidade com autonomia e qualidade, se não obter mudança no peso corporal.
A importância atribuída ao peso corporal é tão grande, que os benefícios da prática de exercício que provoca um efeito protetor sobre todas as causas de morte, não superam o desejo de se encaixar num peso que é aplaudido e associado a sucesso.
Acontece que nosso corpo, fisiologicamente, envelhece. E neste processo de envelhecer é natural e esperado que o corpo ganhe peso. Provavelmente, para aqueles com mais de 30 anos, se você lembrar do seu peso por volta dos 19 anos e comparar agora, é possível que você tenha ganhado peso. E isso é natural, ou melhor normal.
Porém, alguns casos aumentam de peso demasiadamente, e isso se deve a diferentes fatores, em especial, a prática de dietas. Se nosso corpo, naturalmente possui disposição para ganhar peso no processo de envelhecimento, esse ganho é multiplicado quando se passou por diferentes dietas restritivas e proibitivas. Estes tipos de dietas condicionam o corpo a serem muito eficientes em economizar energia, por um mecanismo básico de sobrevivência (o corpo evolutivamente funciona no sistema lutar ou fugir). Corpos que viveram muitas dietas que desrespeitam sinais internos, estão sujeitos a conquistar novamente os quilos perdidos, e encontrar alguns quilos a mais.
Neste sentido, se faz necessário prevenir os problemas relacionados ao peso corporal, que podem se apresentar na forma de quadros de sofrimento com o corpo, com a comida, e ocasionar ansiedade generalizada, fobias, depressão, dismorfias musculares, e transtornos alimentares.
Pessoas que se engajam em dietas restritivas podem aumentar em até 18 vezes as chances de desenvolver um transtorno alimentar, se houver algum componente que predisponha a doença. E alguns dos fatores predisponentes, infelizmente, estão cada vez mais presentes na população, alguns deles são: ter um ente da família que tenha qualquer transtorno psiquiátrico, baixa autoestima, pouca habilidade social, problemas nas relações familiares, internalização do padrão de beleza, extremo perfeccionismo, dificuldade em expressar e regular as emoções.
Por isso, é urgente a necessidade de repensar as políticas públicas e, principalmente, o discurso dos profissionais de saúde que enaltecem a saúde exclusivamente do corpo magro. A diversidade corporal existe, e o estimular a prática de exercícios com foco na perda de peso pode ser frustrante demais para alguns casos. E isso, faz com que o individuo largue comportamentos que estão impactando na saúde, mas que às vezes, não altera o peso. E são perdidos todos os benefícios que poderiam ser mantidos e que trazem qualidade de vida, felicidade e ânimo para garantir uma vida gostosa e satisfatória, que vale a pena ser vivida.
E mesmo naqueles casos em que a combinação traz de fato uma perda de peso, tão logo a meta é atingida, os comportamentos de se exercitar são largados também, e não se transformam hábitos. E se o peso corporal voltar ao que era antes, ou até aumentar mais, a frustração e o sentimento de fracasso, faz com que novamente este individuo se sinta incompetente, quando na verdade, o corpo só está tendo uma resposta fisiológica.
Além de tudo isso, vale ressaltar que a principal fonte de energia para nos sentirmos dispostos para se exercitar é ter uma quantidade adequada de carboidratos disponível para as células trabalharem a nosso favor. E muitas dietas não oferecem a energia suficiente para essa combinação, dieta e exercício, acontecer de forma ajustada, equilibrada, harmônica, respeitando as necessidades e a individualidade de cada ser humano.
Vale destacar que, muitos profissionais de saúde que desconhecem esses mecanismos básicos do corpo humano, corroboram com o desenvolvimento de doenças relacionadas ao peso corporal. O que mostra a irresponsabilidade das condutas dos profissionais que encorajam a combinação dieta e exercício focados exclusivamente no resultado peso corporal. Tanto transtornos alimentares como outros quadros emocionais conflituosos que trazem prejuízo e sofrimento na vida das pessoas, exigem tratamentos multiprofissionais, altamente custosos, e que podem trazer sequelas para o resto da vida.
Uma das estratégias que pode minimizar as doenças relacionadas ao peso corporal é incentivar uma prática de exercício com foco no prazer, na felicidade, na disposição para viver, na satisfação com a vida, na conquista de relações gratificantes com seu corpo, com as pessoas a sua volta, com o seu bem-ser. Isso é praticar um exercício intuitivo, ou seja, escolher se exercitar para ofertar ao seu corpo a possibilidade de todos os sistemas se desenvolverem e se integrarem a favor da sua saúde física, mental, emocional, social, e até espiritual.
Se exercitar para deleitar a alma, já dizia Galeno, médico e filósofo da antiga civilização grega. Incentivar o exercício na vida das pessoas por essa via é prevenir tanto transtorno alimentar como obesidade, e ainda, por consequência, contribuir com a construção de uma relação mais gentil, respeitosa, e pacífica com o corpo.
Profa. Dra. Paula Costa Teixeira
Profissional de Educação Física, Doutora em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP, e pós-graduada em Cuidados Integrativos pela UNIFESP. É colaboradora do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da (AMBULIM-IPq-HC-FMUSP), membro do Conselho técnico da Associação Brasileira de Transtornos Alimentares – ASTRALBR, e idealizadora da abordagem Exercício Intuitivo @exerciciointuitivo.
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