A importância do sono na saúde física e mental

O sono representa um conjunto de muitos processos fisiológicos sob regulação neurobiológica que afeta os diferentes sistemas do corpo. O sono é um requisito biológico para a vida humana, juntamente com comida, água e ar, sendo, contudo, também socialmente orientado, ditado pelo ambiente e sujeito a fatores sociais. O sono na maioria dos humanos ocupa entre 25 e 40% do dia, representando uma média entre 6 a 9h de sono por dia em adultos. Dormir é um processo complexo do cérebro. Enquanto se dorme, ele está “trabalhando” de maneira muito ativa para garantir que a organização das diferentes fases do sono, e suas funções, ocorra de forma fluida e ritmada até a hora de despertar. Fisiologicamente, tanto o sono de qualidade restauradora quanto o tempo total de sono são responsáveis por garantir diferentes aspectos da saúde física e mental. Infelizmente, muitas pessoas questionam a importância do sono, inclusive colocando um papel de “perda de tempo” sobre o sono em nossa sociedade 24/7 (24 horas durante 7 dias de atividades).

Há uma crença de que processo de dormir se inicia com o ato de ir para cama e fechar os olhos. Na verdade, o processo para adormecer se inicia desde o momento do despertar. Uma série de moduladores hormonais, de neurotransmissores, comportamentos e sinalizadores externos, entre outros, combinados, são responsáveis pelo nosso sono. O ato de dormir é um processo ativo cerebral. Enquanto dormirmos, mecanismos cerebrais inibidores do estado de alerta e vigília são ativados para sua manutenção e diferentes circuitos neuronais e hormonais garantem ao longo das 24h o ciclo sono-vigília. Além disso contamos com sincronizadores ou 𝑧𝑒𝑖𝑡𝑔𝑒𝑏𝑒𝑟𝑠 (do alemão zeit “tempo” e geber “doador”), como por exemplo a oscilação da luminosidade (ciclo claro-escuro), as variações climáticas com mudanças da duração dia-noite e de temperatura, horários de alimentação ou jejum, prática de atividade física, entre outros, como reguladores do nosso ritmo sono-vigília. Uma duração do sono de 7 a 9 horas para adultos é sabidamente necessária para manter a saúde, enquanto uma duração menos de 6 h para adultos é considerada insuficiente e relacionada a uma série de consequências adversas à saúde. Estudos mostram que a duração e a qualidade do sono diminuíram nas últimas décadas, enquanto paralelamente, nosso estilo de vida e padrões alimentares também mudaram, incluindo mais trabalho por turnos, mais refeições irregulares fora de casa, entre outros.

Por exemplo, há uma relação entre duração curta do sono e obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares que podem ser mediados por consequentes alterações do comportamento alimentar. Os estudos observam associações consistentes entre a curta duração do sono e maior consumo total calórico, em especial maior consumo de gordura, menor consumo de frutas e escolhas alimentares de menor qualidade, desorganizando a rotina das 3 refeições tradicionais do dia para menos refeições principais e mais frequentemente lanches altamente palatáveis à noite. Embora o impacto da curta duração do sono aguda na ingestão alimentar pareça ser pouco relevante em estudos experimentais, se cronicamente persistente, pode contribuir para um risco aumentado de obesidade e doenças crônicas relacionadas

Um sono de má qualidade ou de curta duração pode modificar a percepção da dor. Pessoas portadoras de dor crônica, como a fibromialgia, têm sua sensação dolorosa agravada após noites ruins de sono, inclusive pela já descrita presença do padrão de ritmo elétrico cerebral alfa-delta encontrado durante o sono em portadores de fibromialgia (e a possibilidade de se justificar um sono não reparador à partir desta evidência). Outros trabalhos revelam o quanto um sono de má qualidade, como o encontrado em privação do sono (redução do tempo total de sono) e na insônia, pioram a percepção da dor (com aumento da sensibilidade à dor), mesmo em pessoas saudáveis. Há pesquisas que revelam que a privação crônica de sono modifica a atuação de proteínas e receptores ligados à função analgésica própria do corpo (analgesia endógena). Isto é ainda mais marcante em pacientes portadores de síndromes dolorosas crônicas.

Podemos discutir também, o papel do sono nos processos cognitivos, envolvendo capacidade de atenção, concentração e memória, incluindo-se aqui os processos cognitivos no envelhecimento. Não há mais dúvidas científicas sobre a importância do sono na consolidação da memória, sendo essencial inclusive para o desempenho intelectual. Cada estágio do sono seria responsável para armazenar determinados tipos de informações e diferentes áreas cerebrais estão envolvidas neste processo (como hipocampo e áreas diversas do neocórtex). No processo de envelhecimento saudável, entre outros componentes, tanto a boa manutenção do sono ao longo da noite, quanto a quantidade de horas de sono são necessários para garantir a adequada função do sono sobre os processos de fixação de informações, armazenamento adequado e “renovação” da memória.

E será que as alterações do sono podem predispor a transtornos mentais? Especificamente a redução persistente de horas de sono, representada pela privação imposta de horas de sono (ou seja, dormir diariamente menos do que o necessário) pode predispor a quadros depressivos, de ansiedade, ou mesmo ao risco de transtorno bipolar do humor. Já é sabido que a redução persistente do número de horas de sono é fator de risco para um episódio depressivo em qualquer idade. Além disso, a privação crônica de sono também interfere na gravidade e duração dos episódios depressivos e no risco futuro de recaídas. Pessoas que se dizem dormidores curtos (que afirmam precisariam de menos horas de sono) tem mais risco e sintomas afetivos mais graves do transtorno bipolar do humor. Já os ditos dormidores longos (que necessitam de mais horas de sono do que a maioria das pessoas) tem mais sintomas depressivos, pior desempenho profissional e pior qualidade de vida. Também um ritmo circadiano desorganizado, como encontrado em trabalhadores de turnos noturnos alternados, aumenta o risco de transtornos de humor. Da mesma forma, um hábito ruim de sono com atraso persistente para início do sono (atraso de fase de sono) com consequente privação de sono, está associado com pior saúde mental e é um claro “desestabilizador” do humor.

Há diversos distúrbios do sono que podem comprometer a quantidade de horas e a qualidade restauradora do sono. Esteja atento aos sinais que seu sono pode alertar sobre potenciais distúrbios como insônia, apneia do sono, distúrbios do movimento, entre outros. E como cuidar do sono? Algumas dicas sobre a higiene do sono são importantes para utilizar no dia a dia, como: 1. Manter uma disciplina com horários de despertar pois a hora que você desperta pela manhã será definidora do horário que sentirá o sono à noite. 2. É essencial a exposição á luminosidade natural ao longo do dia, da mesma forma que deve controlar e reduzir a exposição á luz artificial ao anoitecer; 3. Reduzir á exposição de eletrônicos à noite, como smartphones, tablets e televisão; 4. Se você tem dificuldade para adormecer, evite cochilos diurnos; 5. A prática regular de atividade física promove sono de qualidade; 6. Evite a ingestão de qualquer estimulante após o entardecer; 7. Preferencialmente usar a cama apenas como lugar para dormir; 8. Incorpore rituais de relaxamento antes de ir para cama dormir; 9. Tenha regularidade nos horários das refeições com redução de consumo alimentar até 3h antes de dormir; 10. Evite consumo de bebidas alcóolicas e tabagismo próximo da hora de dormir.

 

 

 

 

Alexandre Pinto de Azevedo

Médico psiquiatra do Programa de Transtornos do Sono e do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP. Coordenador científico da Comissão de Sono da Associação Paulista de Medicina. Instagram: @dr.alexandrepintodeazevedo.

 

 

 

Referências:

  1. https://worldsleepday.org/
  2. Grandner MA. Sleep, Health, and Society. Sleep Med Clin. 2017 Mar;12(1):1-22.
  3. Azevedo AP e col, Insônia e suas interfaces Em: Insônia : do diagnóstico ao tratamento, Associação Brasileira do Livro, 2019.
  4. Li J, Vitiello MV, Gooneratne NS. Sleep in Normal Aging. Sleep Med Clin. 2018;13(1):1-11.
  5. Zhang J, Xu Z, Zhao K, et al.  Sleep Habits, Sleep Problems, Sleep Hygiene, and Their Associations With Mental Health Problems Among Adolescents. J Am Psychiatr Nurses Assoc. 2018 May/Jun;24(3):223-234.