Quando se fala em Psicologia descobre-se haver diversas linhas teóricas e autores distintos que embasam a atuação do profissional psicólogo, principalmente se tratando da área clínica. A abordagem fenomenológica é uma delas, também conhecida como psicologia humanista ou psicologia humanista fenomenológica-existencial, são variados os nomes que esta linha da Psicologia recebe.
O que a difere das demais linhas, como a Psicanálise e a Comportamental, está no aspecto epistemológico (filosofia) e no modo de compreensão do ser e do mundo no qual o mesmo vive. Inicialmente, deve-se falar sobre o Movimento Humanista, ocorrido na Europa a partir do século XV, que tem em vista valorizar o indivíduo e a sua subjetividade; e sobre as compreensões filosóficas: a Fenomenologia (pensamento que surgiu na Europa no século XIX) que enfatiza a valorização das vivências e, portanto, a experiência do indivíduo, a partir de um método de fenomenológico de compreensão o qual vida buscar o sentido do vivido; e o Existencialismo (surgiu junto à Fenomenologia na Europa no século XIX) que traz a perspectiva de uma existência que entende a subjetividade partindo da relação consigo e com o outro, ou seja, a intersubjetividade. Assim, é composto este conjunto valorizado pelos significados que o indivíduo atribui a si, às suas experiências e ao mundo no qual vive.
Vale ressaltar que ambos os momentos de ideias são independentes e que os autores que hoje são inseridos na psicologia humanista fenomenológica-existencial não necessariamente embasaram suas compreensões teóricas de forma proposital nestas perspectivas. Corresponde a uma interpretação epistemológica da atualidade diante das propostas psicológicas e visões de homem e de mundo dos autores.
Deste modo, quando se fala em atuação psicológica clínica na abordagem humanista fenomenológica-existencial, estamos atribuindo maior valorização à experiência do indivíduo diante de seus conflitos, questionamentos e dificuldades – sejam relacionais, psicológicos e emocionais. Para que seja acessado o conteúdo da experiência e das vivências do indivíduo, é primordial e essencial que tenha acesso às descrições que o mesmo faz sobre elas para que, então, possa ser compreendia a partir do referencial deste indivíduo – sem haver quaisquer atribuições prévias por parte do profissional psicólogo partindo de conhecimentos teóricos, apenas.
Ao se tratar de um cuidado psicológico e psiquiátrico, como é o caso dos Transtornos Alimentares, diz respeito a um diagnóstico que parte de preenchimento de critérios, pois é necessário que haja uma sistematização mundial do reconhecimento da psicopatologia. O psicólogo que atua clinicamente assistindo a pacientes com Transtornos Alimentares deve ter conhecimento aprofundado sobre o tema, outros transtornos psiquiátricos, pois comumente há comorbidades psiquiátricas (dois ou mais transtornos psiquiátricos presentes, podendo ou não ter correlação entre si), áreas profissionais necessárias para um tratamento eficaz e atuar junto aos demais profissionais de forma inter e/ou transdisciplinar.
Ao se falar especificamente da atuação clínica do psicólogo de abordagem humanista fenomenológica-existencial junto a estes pacientes, seu olhar está direcionado às descrições das experiências que o paciente oferece, sem julgar ou impor conhecimentos teóricos prévios sobre as descrições da vivência e o próprio diagnóstico de transtorno alimentar. Pois as descrições, assim como os históricos clínicos e de vida, são bastante singulares, ou seja, fazem parte de uma subjetividade constituída a partir da intersubjetividade. Este é um aspecto bastante presente e notório em pacientes com Transtornos Alimentares: a singularidade na descrição de suas experiências com o transtorno alimentar diagnosticado em relação à sua vida, a si mesmo e às relações interpessoais. A proposta do cuidado psicológico está em trazer à tona a perspectiva do paciente sobre si e sobre o transtorno para que seja compreendido de forma mais autêntica e proporcione ao menos a possibilidade de se auto compreender.
Dentre muitos autores presentes nesta linha psicológica, cito Carl Rogers, autor da Abordagem Centrada na Pessoa, o qual traz o princípio de que todos os indivíduos possuem a tendência à atualização e a tendência à autoatualização que representam a potencialidade de mudanças em si mesmo. Sua abordagem propõe que, ao estar em uma relação de compreensão com o psicólogo, o paciente está em processo de transformação interna para sua própria compreensão. O cuidado psicológico trará a oportunidade de propiciar ao paciente uma relação propícia ao seu crescimento e olhar para si mesmo, de modo que possa olhar para o seu diagnóstico e a circunstância vivida devido ao transtorno alimentar e trazer para si mesmos seus significados reais singulares.
Portanto, para esta linha psicológica, o indivíduo poderá se ver compreendido pelo outro a partir do seu próprio modo de ser, seus significados e elementos significativos que partem sua própria percepção de ser no mundo, sem a prerrogativa de ser enquadrado em um rótulo teórico prévio. O tratamento psicológico partirá primordialmente da descrição sobre si e disposição do paciente e da abertura e atitudes fenomenológica e facilitadoras (empatia, autenticidade e congruência) do psicólogo.
Thaís Gazotti
Psicóloga (CRP 06/126044)
Mestre em Psicologia (PUC-Campinas)
Especialização em Tratamento Psicológico de TAs (AMBULIM-IPq)
Doutoranda em Ciências da Saúde (FMUSP)
Atuação clínica particular, docente e colaboradora no AMBULIM.
Ótimo texto