O que o movimento Liberação Corporal traz de novo

Liberação Corporal x Positividade Corporal

Body Liberation”, em livre tradução, Libertação Corporal, é um movimento que busca inclusão de pessoas gordas, negras, com deficiência, LGBTQIAP+. Você pode pensar que o movimento Positividade Corporal também abraçava as minorias representativas, mas houve a percepção de que pessoas com corpos padrão, mulheres brancas e cisgêneros entraram no movimento e as minorias representativas perderam espaço.

Lembro quando tive contato com uma influenciadora que pediu que a fotografasse sentada e curvada para que as dobrinhas da barriga aparecessem. Falei que aquilo não significava ser gorda, mas ela argumentou que mostrar ‘defeitos’ seria inspiração para suas seguidoras. 

Talvez num mundo em que as fotos são modificadas, esse fosse um primeiro passo, mas ainda não representava libertação para pessoas gordas, afinal, uma pessoa que não precisa ficar curvada para que as dobras do corpo apareçam, certamente não se sentiria representada.

A luta pela libertação corporal é interseccional, os variados tipos de corpos só podem ser VERDADEIRAMENTE aceitos se houver mudança política e social.

As pessoas com deficiências, por exemplo, não têm o direito básico de ir e vir respeitado, a acessibilidade não está presente em todos os locais públicos. 

Uma pessoa negra, indígena e todas as pessoas não brancas sofrem racismo ou, no mínimo, micro agressões. A sabida negação do racismo no Brasil, o mito do “somos todos iguais”, apenas apaga e invalida esse tipo de violência.

Uma pessoa homossexual, transsexual, bissexual, não binária e todas que fazem parte do acrônimo LGBTQIAP+ sofrem com olhares, piadas e/ou violência física. Por isso, esse grupo precisa ter a liberdade de ser quem é, não podem ser estigmatizados e criminalizados. 

Qualquer pessoa que se enquadre em alguma dessas minorias lidará com exclusão, e com a exclusão, menos direitos, menos oportunidades e menor visibilidade. Olhares e comportamentos de rejeição corroboram para negação de si mesmo.

O que mais me incomoda é a não percepção do nosso próprio preconceito. Fazer auto análise é o caminho para que paremos de reproduzir tais comportamentos. 

E sim, todos temos alguns preconceitos, assim como alguém que faz parte da minoria representativa também pode ter, pois vivemos em uma cultura que prioriza o corpo dito saudável, um corpo funcional economicamente, e que terá apoio social para que o sistema se mantenha. 

Mas isso não significa uma sentença, as crenças não precisam nos acompanhar até a morte! A cultura é viva, nossa língua é viva e está em constante transformação, podemos perceber que algumas expressões não cabem mais, algumas crenças não condizem com a realidade. Respeitar a individualidade do outro, perceber que uma minoria representativa não age em bloco, que não existe isso de “Ah, mas todo gay é promíscuo, todo indígena é preguiçoso, toda pessoa gorda não tem força de vontade, todo indivíduo com deficiência  é coitadinho”.

Neutralidade Corporal x Libertação Corporal

Um movimento que tira o foco do corpo é o da “neutralidade corporal”, que propõe que pensemos nosso corpo como ferramenta para estar no mundo, que não precisamos achar que somos lindas mas que reconheçamos onde nosso corpo nos leva, o que pode trazer, os prazeres que nos proporciona. É realmente a frase clichê mas nem sempre respeitada: somos mais que aparência.

Libertação corporal também acredita que o foco não deve ser a aparência, mas argumenta que nosso corpo sofre alterações com o tempo, então, por exemplo, um homem que sente prazer em correr pode ter que parar com esse exercício por algum motivo, seja por lesão, acidente ou qualquer acontecimento da vida. Este homem pode sentir que seu corpo não traz mais o prazer que tanto preza, certo? Daí entra a libertação corporal que propõe a luta por políticas públicas que acolham todo tipo de corpo e que tragam visibilidade, consequentemente os tire do isolamento e guetos.

Pessoas gordas muitas vezes não encontram roupas do seu tamanho em lojas de roupas, a não ser que seja loja especializada, que geralmente vendem as roupas mais caras do que roupas tamanho 42.  E pensar que melhoramos muito, pois antes nem essas opções existiam!. Pessoas gordas não encontram assentos adequados ao seu tamanho, em transporte público então, nem pensar.

Com consciência coletiva mudamos o sistema político e social. Aceitar a nossa aparência e condição assim como as dos outros envolve muitas questões, não é só uma decisão pessoal e íntima.

Este texto não tem a intenção de descredibilizar outros movimentos, todos são importantes e ampliam nossa visão. Podemos, inclusive, passar por períodos em que um movimento faça mais sentido que outro, não precisam ser excludentes.

Renata Rennó

Antropóloga aprimorada em transtornos alimentares pelo AMBULIM. Formada em Relações Públicas pela FAAP. Mestre em Antropologia pela Universidade Federal de Sergipe e Pós Graduada em Teorias e Técnicas para Cuidados Integrativos pela UNIFESP. Participante do programa Região e Redes – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP,  Direitos Humanos e Saúde de Mulheres e Meninas. Membro do Conselho Técnico da ASTRALBR

Referências:

  1. https://divethru.com/body-neutrality-body-positivity-fat-liberation/
  2. https://elespacio.net/articles/the-virtuous-path-to-body-liberation
  3. https://foodshare.net/about/body-liberation-fat-acceptance-statement/
  4. https://katiecouric.com/health/what-is-difference-between-body-neutrality-and-positivity/
  5. https://library.carrollcc.edu/explorebodyliberation
  6. https://risecenter.ucla.edu/virtual-library/body-liberation-series
  7. https://www.wellandgood.com/body-liberation/
  8. https://www.wondermind.com/article/body-liberation/

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