A pandemia pelo novo Coronavírus, assim como a quarentena e práticas de distanciamento social tem influenciado negativamente a saúde mental da população mundial . Alguns estudos estimam que cerca de dois terços da população apresentarão alguma “cicatriz “psicológica devido a essa calamitosa situação, como sintomas de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, raiva e confusão (Holmes et al. 2020).
Mas e os transtornos alimentares? Como a pandemia afeta suas manifestações? Trata se de um momento desafiador, pois as mudanças emocionais advindas do estresse das circunstâncias atuais se refletem no comportamento alimentar, ocupando papel preponderante na degeneração de hábitos alimentares anteriormente saudáveis — a despeito de se conviver com um transtorno ou não. E isso se dá por algumas razões: menor possibilidade de se exercitar, o que amplia o medo do ganho de peso ou, no ângulo oposto, favorece o acúmulo de gordura corporal; estocagem de alimentos hedônicos, não perecíveis, de alta densidade calórica, o que leva a exposição massiva a bolachas, salgadinhos, pratos congelados, refrigerantes e afins, um potencial gatilho para episódios de compulsão alimentar; redução do relacionamento com outras pessoas ou, na contramão, maior tensão devido ao convívio com outras pessoas da casa; solidão como fator para os assaltos à geladeira e orgias alimentares. As manifestações vão desde o comer excessivamente até piora da restrição alimentar.
Em relação ao aumento no consumo alimentar, o mesmo pode ocorrer através de alguns mecanismos: comer emocional (descontar tristezas, ansiedade e frustrações na alimentação), comer no “automático “ (sem ter consciência do ato de se alimentar), aumento da frequência da alimentação (beliscar ao longo do dia) ou apresentar episódios de compulsão alimentar propriamente dita (muitas vezes por um temor subliminarmente de desabastecimento de alimentos), que podem ou não ser seguidas de manobras purgativas compensatórias, como os vômitos auto induzidos, caracterizando a bulimia nervosa .
Nos pacientes com Anorexia nervosa, pode haver piora da restrição alimentar pois os mesmos procuram intensificar o autocontrole, num cenário extremamente perturbador de estocagem de grandes quantidades de alimentos, e a impossibilidade de realizar atividades físicas, devido ao fechamento transitório de academias e espaços públicos.
Também é importante salientar, que muitas vezes os pacientes com TARE (transtorno alimentar restritivo evitativo) podem apresentar piora da restrição alimentar devido à dificuldade de obtenção do restrito repertório alimentar em tempos de pandemia. É bom ressaltar que pessoas com transtornos alimentares e baixo peso têm maior risco de complicações médicas associadas à desnutrição, apesar de ainda não existirem evidências científicas, estas podem se expor a maiores complicações a infecção pelo novo coronavírus.
Em pessoas com transtornos alimentares e outras condições concomitantes — como depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno pós-traumático e transtorno por uso de substâncias —, a ruminação, a preocupação e a ansiedade desencadeadas pela Covid-19 podem acentuar a severidade do distúrbio paralelo, o que interage negativamente com o próprio transtorno alimentar.
A partir do momento em que se perceba uma perda na capacidade de decidir entre comer e não comer, bem como do padrão de alimentos ingeridos tornando se refém da relação com a comida, está na hora de buscar ajuda profissional.
Referências:
Holmes et al. Multidisciplinary Research Priorities for the COVID-19 Pandemic: A Call for Action for Mental Health Science. Lancet Psychiatry. 2020; 7(6):547-560.
Dra. Christina de Almeida dos Santos é médica psiquiatra, Secretária da Comissão de Transtornos Alimentares da Associação Brasileira de Psiquiatria, professora de medicina da Faculdade Pequeno Príncipe, em Curitiba, Membro da Eating Disorders Association, Coordenadora da residência médica de psiquiatria e do ATA (Atenção aos Transtornos Alimentares) em São José dos Pinhais – PR.
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