O estigma representa a percepção negativa de uma sociedade sobre um grupo específico. Quando as pessoas tem atitudes negativas e crenças sobre os outros por causa do peso, caracteriza-se o que tem se denominado de estigma do peso ou discriminação baseada no peso.1
Essa desvalorização social devido ao excesso de peso geralmente se manifesta por meio de estereótipos (por exemplo, que indivíduos com obesidade são preguiçosos, desmotivados ou com falta de força de vontade e disciplina), o que pode, por sua vez, levar ao preconceito, rejeição social e tratamento injusto. O estigma também pode se manifestar por meio da gordofobia, que é o medo e/ou aversão a pessoas gordas, a obesidade, e/ou de ser ou se tornar gordo.2
O que colabora muito para que esse preconceito se perpetue é a noção de que o sobrepeso/obesidade está sob o controle do indivíduo e, consequentemente, é totalmente reversível uma vez que este altere suas escolhas e comportamentos. Portanto, nessa visão esse indivíduo é o culpado pelo seu excesso de peso, enquanto que as pessoas sem obesidade se sentem moralmente superiores e mais saudáveis.1
Até mesmo os profissionais de saúde, que deveriam acolher e auxiliar esses indivíduos, apresentam discriminação baseada no peso e comportamentos estigmatizadores.2 Os pacientes geralmente recebem objetivos de perda de peso muito mais exigentes do que as diretrizes recomendam e as instruções rasas de “comer menos e se exercitar mais” provavelmente são percebidos por eles como inúteis e estigmatizantes – o que pode levá-los a evitar consultas futuras de saúde.1
A discriminação baseada no peso é frequentemente propagada e tolerada na sociedade porque se acredita que o estigma e a vergonha motivarão as pessoas a perder peso. No entanto, ao invés de motivar mudanças positivas, o estigma contribui para comportamentos que pioram a obesidade e criam barreiras adicionais à mudança, como compulsão alimentar, isolamento social, evitar a procura por serviços de saúde e diminuição da atividade física.2 Aliás, verificou-se em revisão sistemática recente que quanto maior o estigma do peso, maiores são os transtornos alimentares, sintomas depressivos, ansiedade, insatisfação com a imagem corporal e menor autoestima entre adultos com sobrepeso/obesidade.3
O estado de saúde fisiológica de adultos com excesso de peso também parece piorar quanto maior for o estigma. Os efeitos fisiopatológicos induzidos pelo estresse do estigma envolvem níveis mais altos de cortisol, estresse oxidativo e proteína C-reativa.1,3 Verificou-se que comer em excesso é um comportamento em busca de conforto e pode ajudar indivíduos com sobrepeso ou obesidade a lidar com o estresse causado pelo estigma do peso.4
Para crianças e adolescentes com excesso de peso, o estigma é expresso principalmente na forma de provocação e bullying – o que pode gerar inúmeras consequências psicológicas e físicas que podem reforçar comportamentos não saudáveis que promovem a obesidade e o ganho de peso na vida adulta. Dessa forma,as evidências mostram maior vulnerabilidade à depressão, ansiedade, uso de substâncias, baixa auto-estima, má imagem corporal e menor motivação para o exercício e a atividade física.2
Diferentemente de outras situações, as consequências negativas do estigma do peso são evitáveis. O primeiro passo da prevenção é alertar sobre a importância da questão do estigma do peso e pontuar seus efeitos prejudiciais – mostrando o desafio de viver com obesidade e a dificuldade da perda de peso.3 Para isso, é necessário fornecer educação regular e acessível sobre o estigma do peso ao público e aos profissionais de saúde – o que pode incluir um uso eficaz da mídia e de outros recursos e uma melhor representatividade dos indivíduos gordos nas mídias para reduzir os estereótipos.1 A melhoria do cenário clínico também é importante, criando melhores práticas para comportamentos e linguagem não tendenciosos, usando técnicas de aconselhamento empáticas e empoderadoras e abordando o estigma na consulta. Outra ação relevante é capacitar as famílias para lidar com o estigma do peso no ambiente doméstico e no ambiente escolar.2
Como é possível observar, ainda há muito o que desmistificar quando o assunto é peso corporal. Por exemplo, a percepção de que a perda de peso apenas envolve comer menos e gastar mais está muito embutida na sociedade, o que, cria o cenário perfeito para a discriminação da pessoa com excesso de peso. Mas a obesidade é multifatorial e bastante complexa. Há muito mais fatores envolvidos que são negligenciados para culpabilizar o indivíduo gordo – e talvez esse seja o principal ponto a ser modificado atualmente.
Muriel Hamilton Depin
Nutricionista formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi um dos membros fundadores da Liga Acadêmica de Neurociência do Comportamento Alimentar UFSC – LANCA UFSC e preceptor convidado do Ambulatório de Comportamento Alimentar do SASC/HU/UFSC (2018). Aprimorado em Transtornos Alimentares pelo AMBULIM-IPq-HC-FM-USP. Membro do conselho técnico da ASTRALBR. Criador do perfil @obarrigapositiva.
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