Atualmente o tratamento dos transtornos alimentares possui recomendações claras de procedimentos e protocolos a serem seguidos. De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), a primeira recomendação de tratamento psicológico para essa população clínica em adultos, seria a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC-Transdiagnóstica), pois mostrou resultados de maior efeito em comparação com outras modalidades de tratamentos. Porém, as adaptações da TCC-Transdiagnóstica para os transtornos alimentares não são recomendadas quando o paciente apresenta: risco de suicídio, automutilação, abuso de sustâncias, entre outras comorbidades. Contemplando uma parcela pequena de pacientes com transtornos alimentares que chegam em hospitais, clínicas e consultórios no Brasil.
Ao decorrer dos anos com o crescente número de pacientes que apresentavam comorbidades associadas aos transtornos alimentares, aumentou a necessidade de implementação com outras abordagens psicológicas. Uma delas, seria a Terapia Comportamental Dialética (DBT), que inicialmente foi desenvolvida para pacientes graves, considerados cronicamente suicidas e que tinham comportamentos auto-lesivos direcionados ao corpo. Uma parcela dessa população posteriormente foi diagnosticada com transtornos de personalidade borderline, tendo como base uma intensa desregulação emocional. A dificuldade em regular as emoções, principalmente o afeto negativo, é uma dificuldade comum em pacientes com transtornos alimentares.
O tratamento da DBT é baseado em princípios, aumento de repertório de habilidades e se desenvolve através de uma hierarquia de prioridades. O princípio central é ajudar o paciente a construir uma vida de valores e que valha a pena ser vivida, pois erroneamente, por muito tempo, se acreditou que o caminho do tratamento era apenas eliminar os comportamentos problemas (restrição, vômitos e compulsão alimentar), porém a ausência desses comportamentos não é necessariamente sinônimo de felicidade/bem-estar, muitas vezes o paciente permanece em sofrimento, porém não emite mais o comportamento problema. Então, desde o início, um dos focos é destinado a construção de uma vida, para ajudá-lo a não cair em vazio ou cederem a comportamentos problemas que estão desconectados com uma vida digna de ser vivida.
No caminho da construção de uma vida que valha a apena ser vivida, é importante aumentar o repertório comportamental do paciente, relacionada a mudança e aceitação da realidade. Na DBT, existem quatro grupos de habilidades destinadas a promoção de novos comportamentos de mudança e aceitação de emoções dolorosas. Os pacientes que estão em tratamento DBT, vêm para terapia individual e também para o treinamento das habilidades em grupo, sendo elas:
Habilidades de Mindfulness – É uma habilidade nuclear do tratamento que tem como meta: Aumentar a conexão com o momento presente, não se contaminar pelos próprios pensamentos, reduzir o julgamento, aumentar a capacidade de observar, reduzir o agir no automático, reduzir o agir de forma impulsiva, reduzir a postura de multitarefas e ter uma maior apreciação da realidade. Em pacientes com Bulimia e Compulsão Alimentar, o módulo de Minfulness tem o acréscimo de sessões destinadas ao desenvolvimento de MindfulEating, que promove a maior conexão do paciente com seu corpo e alimento. E também, pode ser entendido como um procedimento de exposição aos alimentos ditos “perigosos” que o paciente se esquiva de ter contato. Reduzindo o comer emocional, os episódios de compulsões alimentare e o comer desatento.
Habilidades de Tolerância ao mal-estar – Os pacientes com transtornos alimentares em momento de emoções intensas podem recorrer a comportamentos alimentares transtornados como forma de alívio e modificação da emoção. Esse módulo é destinado a ajudar o paciente a sobreviver às crises intensas, através da mudança de sua fisiologia corporal (procedimentos com gelo), técnicas de distração, técnicas de distração por vias sensórias, respiração compassada, formas de melhorar o momento e meios para auto acalmar-se. Esse conjunto de habilidades são muito utilizados após as refeições, e em momentos que o paciente se percebe próximo a ceder aos comportamentos compensatórios (vomitar, usar laxantes, diuréticos e atividade física). Além disso, esse módulo tem outro conjunto de habilidades destinadas a aceitação da realidade.
Habilidades de Regulação emocional – Nos transtornos alimentares as emoções têm uma relação direta com a forma como os pacientes vivenciam o corpo e a alimentação. Esse módulo tem como meta: Diminuir a frequência de emoções indesejadas, reduzir a vulnerabilidade emocional, entender a função das emoções, ter ação oposta à emoção indesejada, aumentar a capacidade de resolução de problemas, meios para acumular emoções positivas, se preparar para emoções dolorosas e meios para se autorregularem.
Habilidade de Efetividade interpessoal – Trabalhar as relações interpessoais de pacientes com transtornos alimentares não é nenhuma novidade dentro das recomendações da APA. Sabemos que caso o paciente não seja respondente à TCC-Transdiagnóstica, a segunda opção de tratamento para pacientes com Bulimia e Compulsão alimentar, seria a Psicoterapia Interpessoal. O que isso significa? Significa que trabalhar as relações sociais de pacientes com transtornos alimentares tem a longo prazo o mesmo efeito da TCC-transdiagnóstica. Esse módulo tem como objetivo, ajudar os pacientes a não recorrerem aos comportamentos problemas como forma de alívio de conflitos nas interações socias. Assim como os demais módulos, esse também é focado no desenvolvimento de habilidades, nesse caso de formas para: Dizer não, fazer pedidos, ter objetivos nas relações, manter relacionamentos, manter o auto-respeito, validar as pessoas, sobreviver à invalidação, encontrar amigos, fazer as pessoas gostarem de você e terminar relacionamentos destrutivos.
Os pacientes são encorajados a usarem as habilidades diariamente em suas vidas e em momentos de crises, caso não consiga se auto-regularem, precisarão ligar para seus terapeutas e terem instruções de quais habilidade utilizarem. Em nossa experiência clínica, os pacientes acabam ligando antes de algumas refeições e após serem consumidas, principalmente quando estão vulneráveis a ceder a métodos compensatórios. Feriados e festas comemorativas, nas quais existe muita disponibilidade de alimentos, também recebemos um numero maior de chamadas. Como vocês podem ver, não se faz DBT sozinho, é necessário ter uma equipe para conseguir dar conta da complexidade de um transtorno alimentar. Por isso, na DBT temos a reunião de consultoria. Onde os profissionais reúnem-se semanalmente para se consultarem, avaliar os procedimentos e se manterem dentro dos princípios da terapia comportamental dialética.
Na terapia individual, os terapeutas respeitam a hierarquia de prioridade. Inicialmente é realizado o pré-tratamento, momento em que: avalia-se a gravidade da psicopatologia alimentar, investiga-se quais são os objetivos de vida do paciente, avalia-se qual seria o melhor tratamento para o paciente, realiza-se orientações sobre a DBT e o paciente assina um termo de comprometimento com o tratamento. O pré-tratamento pode durar de 4 até 6 semanas, sendo o momento que paciente e terapeuta irão decidir se trabalharão juntos ao decorrer de todo o tratamento.
O estágio 1, é direcionado para eliminação e redução dos comportamentos que podem causar um risco iminente de vida, como: suicídio e auto-mutilação. A regra é clara, para qualquer tratamento funcionar o paciente precisará estar vivo, então essa precisa ser a prioridade nesse momento. Nos transtornos alimentares restrição alimentar grave e vômitos auto-induzidos crônicos podem ocasionar em hipocalemia (baixo potássio), sendo esse um risco iminente de vida, pois o paciente pode ter uma parada cardíaca. Após ter uma estabilização ou eliminação do risco iminente de vida, dois outros itens precisam ser contemplados, que são: problemas que interferem em terapia e problemas que interferem na qualidade de vida.
No estágio 2, ele é destinado à exposição ao trauma e tratamento das comorbidades psiquiátricas associadas aos transtornos alimentares. Essa fase do tratamento, caso o paciente tenha sofrido algum abuso sexual, é o momento de fazer exposição prolongada ao trauma. O processo de exposição tem duração de 13 semanas, não podendo ter faltas ao decorrer das sessões. É uma das fases mais dolorosas do tratamento, pois o paciente precisará iniciar com a cena traumática mais forte e toda a sessão será gravada em áudio. Ao decorrer da semana, após a sessão, o paciente precisará ouvir a gravação das sessões todos os dias. Podendo nesse estágio alguns dos comportamentos problemas voltarem. Não se desespere. O paciente irá piorar um pouco para poder melhorar, isso fazer parte do tratamento. Por isso, é importante estar dentro de uma equipe para sentir-se mais seguro no manejo do procedimento. Em geral, os pacientes, após a terapia de exposição prologada, têm uma boa remissão dos sintomas clínicos. Caso, o paciente não apresente nenhum trauma, é hora de tratar as comorbidades. Caso o paciente não tenha comorbidade, pode-se iniciar a próxima fase.
O 3°estágio, é destinado aos problemas de vida, como: baixa auto-estima, problemas nas relações, aumento do repertório de resolução de problemas, aumento da felicidade e conexão com a vida. Nesse estágio qualquer tipo de terapia pode ser benéfica, não necessariamente a DBT, podendo o paciente optar por dar seguimento em alguma psicoterapia antiga que fazia ou até mesmo permanecer no tratamento para melhorar a generalização das habilidades DBT.
Como vocês puderem observar a DBT é um tratamento baseado em evidência para pacientes graves e não respondentes a terapia cognitiva comportamental. Sendo uma alternativa de tratamento nos transtornos alimentares com múltiplos diagnósticos. No Brasil, o AMBULIM IPq será o primeiro centro especializado da América Latina a oferecer essa modalidade de tratamento para pacientes internados na Enfermaria do Comportamento Alimentar.
Fellipe Augusto de Lima Souza – Professor de Psicoterapia da Residência em Psiquiatria do Hospital de Clínica Dr. Radamês Nardini – Máua. Formação em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo The Linehan Institute and Behavioral Tech, Washington – EUA. Coordenador do Grupo de Habilidades DBT da Enfermaria do Comportamento Alimentar – ECAL IPq HC FMUSP. Colaborador do Laboratório de DBT do Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento – DBT LAB, SP.
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